[Artigo] Gerenciamento de riscos de infrações aduaneiras na logística: parte 1

Ao longo de 3 anos no CARF relatei aproximadamente 400 recursos. Muitos deles de PIS, COFINS, IPI e até mesmo de CPFM. De toda sorte, gostaria de tecer algumas reflexões sobre as operações de comércio exterior e que, naturalmente, resultam nos recursos que nos são submetidos a julgar.

Salienta-se que não estou a falar de um ou outro caso, posto que todos são importantes de igual forma. A dedicação e a concentração, devem ser aplicadas da mesma forma. Sem prejuízo de uma legislação aduaneira inadequada para os dias atuais, são inúmeros os casos de lançamentos inadequados e descontextualizados decorrentes dos mais diversos contextos. Mas não é sobre isto que me propus a escrever aqui.

O objeto deste breve texto é para falar em redução de riscos nas operações de comércio exterior por meio de um trabalho de gerenciamento prévio. Não só por advogados. Mas também por engenheiros, despachantes, contadores e aos demais operadores do comércio exterior, bem como pelo departamento comercial da empresa.

Mas o que deveria se entender por gerenciamento de riscos? Um trabalho integrado por diversos setores da empresa (ou da empresa com diversos profissionais do mercado), cuja finalidade é conferir à operação de comex o máximo de agilidade com o mínimo de riscos de violação de normas aduaneiras.

Este resultado somente pode ser alcançado por meio do levantamento de todos os eventos que podem, eventualmente, afetar positiva e negativamente o cumprimento das obrigações aduaneiras e os objetivos da operação logística. Sugere-se confrontar possíveis causas e efeitos de forma a se prevenir erros básicos que podem afetar um processo de importação ou exportação.

São muitos os casos em que os operadores se queixam de prazos nos despachos aduaneiros. Mas será que a culpa é única e exclusivamente dos agentes aduaneiros? É obvio que não. Pelo contrário. A SRFB, assim como o MDIC, SECEX encontram-se com programas de conformidades espetaculares como OEA, assim como em fase de transição para implementação de todas as funcionalidades das DUIMPs, que tendem a conferir cada vez mais agilidade as operações, inclusive com redução significativa dos licenciamentos não automáticos. A título ilustrativo cita-se que o Módulo de Gerenciamento de Riscos (GR) do Portal Único utiliza inteligência artificial e aprendizado de máquina, por meio de sistemas como o Sisam (Sistema de Seleção Aduaneira por Aprendizado de Máquina).

Reitera-se que a legislação brasileira reflete textos normativos que não guardam correlação com o contexto atual da tecnologia, da logística, das negociações comerciais e práticas financeiras internacionais. Isto causa profundo atraso e aumenta significativamente o volume de divergências na interpretação das normas e, por conseguinte, dos litígios. É urgente a necessidade de revisão das normas aduaneiras do Brasil.

Mas o comércio é dinâmico. O empresário e o prestador de serviços não podem ser refém de uma legislação desatualizada, problema que não vai se resolver de um dia para outro. Por isso chama-se atenção a importância do trabalho de gerenciamento de riscos. Em qualquer violação de norma aduaneira, seja da mais simples as mais complexas, as consequências são quase sempre as mesmas. Neste sentido, cito algumas delas:

  1. Excesso de prazo no despacho aduaneiro em razão das exigências documentais e eventuais adequações/retificações;
  2. Retenção de mercadorias, mesmo que temporariamente;
  3. Aplicações de sanções;
  4. Aumento substancial de custos com armazenagem e demurrages;
  5. Perdas de prazos contratuais que resultam em renegociações, aumento de custos e redução da lucratividade, litígios e, inevitavelmente, perda de mercado;
  6. Gastos de dinheiro, tempo, foco e energia com processos administrativos e judiciais para debater lançamentos.

E quais os erros mais básicos que podem e devem ser evitados podem ser contextualizados em três grupos, basicamente:

Grupo 1: Contabilidade:

  1. A contabilidade dos sócios da empresa é compatível com aquele capital social aportado na PJ?
  2. Os documentos contábeis e fiscais da PJ guardam correlação com as operações financeiras vinculadas as importações e exportações?

São duas perguntas básicas que, quando as suas respostas deixam de guardar correlação e equilíbrio, pasmem, o resultado é em um expressivo volume de conflitos e prejuízos.

Grupo 2: Negociação Comercial e Financeira:

  1. As negociações são realizadas “por fio de bigode” ou são documentadas? Acreditem: existem inúmeras negociações comerciais que não são representadas por contratos de compra e venda internacional, regidas pela CISG. Que fique claro: isto por si só não representa fraude. De forma alguma. Especialmente em commodities, onde as praxes comerciais, em muitos casos, dispensam a celebração de contratos a cada operação.
  2. Mas tal fato não impede os operadores utilizarem o bom e velho e-mail para registrar os fluxos de pedidos, pagamentos e demais informações de toda a logística. Não se ignora a existência do wechat, whatsapp, dentre outros apps que são ferramentas essenciais nas negociações. Mas sugere-se não esquecer de registrar tudo pelo bom e velho e-mail.
  3. Por fim sugere-se que sempre se celebre um contrato comercial.
  4. E quando os pedidos, decorrentes de contrato de fornecimento, são realizados via sistema? Observa-se neste caso que a empresa, por estar envolvidas em negociações contínuas deve, minimamente, amparar-se em softwares que lhe ajudem na organização e registro dessas informações de modo a conseguir fazer prova perante as autoridades aduaneiras e fiscais, caso necessário.
  5. Deve-se sempre manter um equilíbrio da disponibilidade financeira (capital na conta e disponível para a operação comercial), com a capacidade financeira da empresa.
  6. Em se tratando de grupos de empresas que, muitas das vezes e por opções de logística interna (e não há nada de errado nisso, pelo contrário, otimização de custos e tempo) abrem um CPNJ para promover as importações, sugere-se registrar um funcionário para negociar as operações neste CNPJ, materializar esta empresa em local próprio, eventualmente com espaço para estoques e expedição caso necessário, com despesas operacionais (mesmo que mínimas, afinal de contas, uma simples comercial importadora/exportadora não necessita de grande estrutura).
  7. Neste ultimo aspecto, deve-se estudar bastante as modalidades de importações e os riscos de se adotar a direta ou indireta, via encomenda ou por conta e ordem. Opção equivocada resulta, no mínimo, em processo especial de fiscalização Atual, PCFA (Procedimento de Combate as Fraudes Aduaneiras-l IN 1986/2020). Sem falar do Procedimento previsto no Dec. 1455/1976 e representações criminais automáticas.

 Grupo 3: Na logística:

  1. Em relação aos documentos básicos, como Invoice, BL, AWB, Contratos de Câmbio, pergunta-se: Qual o grau de conferência que o leitor deste breve artigo faz na operação dele. Todos estes documentos devem guardar correlação sob pena de se incorrer em sanções. Qualquer discrepância vai atrasar o despacho aduaneiro. E resultar em perda de lucratividade.
  2. Classificação Fiscal e Valoração Aduaneira. Com o elevadíssimo grau tecnológico atualmente, cabe ao maior interessado na operação comercial que é a empresa, buscar o máximo de informações que assegurem um grau mínimo de conformidade e compatibilidade com as práticas comerciais.
  3. É complicado se constatar preços muito discrepantes do mesmo produto, no mesmo RADAR, em períodos próximos. Mas sim, existem peculiaridades negociais. Com certeza. Justamente por isso se sugeriu formalizar todo este contexto através do bom e velho e-mail.
  4. Caso haja dúvidas acerca da NCM, faça uma consulta a Receita Federal. Ou pesquise se já há alguma que se enquadre no seu produto. Para isto é necessário a recorrer a profissionais, advogados, agentes de comércio exterior, despachantes, para reduzi o risco de equívocos.
  5. Problemas com etiquetagem também são comuns. E podem ser facilmente evitados com trabalho junto ao fornecedor. Da mesma forma, embalagem.
  6. Sugere-se ainda sempre estar atento a eventuais anuências que o produto estiver submetido. Exigências de informações no próprio produto, como descrição e inserção de dados aos produtos submetidos a ABNT.
  7. Ter comunicação constante com os embarcadores e transportadores a fim de que, em havendo qualquer incidente, receber a informação com o máximo de urgência para, eventualmente, buscar uma solução. Exemplos? Inúmeros: desde uma simples devolução de um produto equivocadamente enviado para o importador brasileiro, passando por uma tempestade que o navio tenha enfrentado e que tenha resultado em perda de contêiner, até mesmo a necessidade de se cancelar CE-Mercantes a fim de evitar multas administrativas. Apenas alguns simples exemplos. E todos resultam em conflitos.
  8. Se a operação for triangular (back to back) por exemplo, faça os registros e a correlação de toda negociação comercial com a ponta da logística. Da parte comercial até os documentos de embarques.

Este artigo buscou trazer reflexões acerca da necessidade de proceder em um trabalho de auditoria nas operações de comércio exterior para reduzir o risco de se incorrer em intercorrências que resultem em conflitos aduaneiros.

Totalmente longe de buscar esgotar o tema e os contextos que resultem em litígios, busquei única e exclusivamente chamar a atenção a uma regra básica de que a prevenção significa inteligência de mercado. Muito melhor do que se obter o êxito em uma demanda (sob a ótica do contribuinte) é evitar que surja a demanda e a pessoa jurídica se dedique, exclusivamente, a obter sucesso na sua atividade.

Mas caso surja o conflito, deve-se recorrer aos excelentes profissionais que se encontram no mercado. Seja o engenheiro, o comerciante, o despachante aduaneiro, o broker, o advogado, o contador, enfim, todos que se fizerem necessário.

E neste ponto, finalizo este artigo reiterando que:

  1. As reflexões não esgotam o assunto, muito menos tive este propósito;
  2. São frutos de conhecimento obtido com o trabalho desenvolvido no CARF, com meus amigos e colegas de Turma, Presidente Leonardo Macedo, Vice Presidente Laércio e demais conselheiros, Ana Paula, Celso e Georges. Todos muito experientes e competentes.
  3. A atuação dos advogados, procuradores, contadores, engenheiros e a presença dos próprios contribuintes para esclarecer o próprio negócio é fundamental para enriquecer os debates e colaborar em soluções justas para a sociedade;
  4. Deve-se salientar que não é crível que haja solução milagrosa governamental, ainda mais no contexto internacional das negociações atuais, nova formatação dos acordos internacionais, motivo pelo qual o gerenciamento é algo essencial para qualquer operador do comércio exterior, seja ele um pequeno empresário até mesmo as grandes corporações (que muitas das vezes cometem erros básicos).
  5. Todas as consequências de um gerenciamento equivocado ou falho são as infrações e respectivas sanções aduaneiras, as quais serão tratadas no artigo 2 desta série de Gerenciamento das Operações de Logística e Redução dos Riscos das Infrações Aduaneiras.

Um abraço e excelente semana a todos.

São Paulo, 12/05/2025.

MATEUS SOARES DE OLIVEIRA.

Conselheiro da 1º TO da 4ª Câmara da 3ª Seção. Turma Aduaneira do CARF.

Advogado licenciado com 15 anos de experiência com comércio exterior.

Mestre em Direito Internacional e Especialista em Direito e Negócios Internacionais.

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