As exportações de carne bovina do Brasil para a Argentina dispararam neste ano, segundo dados do Ministério da Agricultura.
De janeiro a outubro, foram vendidas 11 mil toneladas para o país vizinho, volume mais de 20 vezes maior do que as 526 toneladas embarcadas em igual período do ano passado.
A Argentina não figura entre os principais compradores do Brasil: mesmo com todo o crescimento, a importação pelo país vizinho representa menos de 1% de todo o volume adquirido pela China, maior cliente da carne brasileira, por exemplo.
Mesmo assim, a disparada das vendas chamou a atenção de especialistas. Eles viram dois motivos para isso: o tarifaço imposto pelos EUA ao Brasil e a queda na produção de carne na Argentina.
Efeito tarifaço
Segundo analistas, o tarifaço imposto pelos EUA ao Brasil a partir de abril estimulou os argentinos a venderem mais carne para os americanos.
A Argentina é a quinta maior produtora do mundo, atrás de EUA, Brasil, China e Índia.
Com mais exportação para os EUA, os argentinos recorreram à carne brasileira para não desfalcar o abastecimento interno, já que o país vizinho tem o maior consumo de carne bovina per capita do mundo.
O pico na compra de carne brasileira pelos argentinos ocorreu em setembro, um mês depois de Trump aumentar para 50% a sobretaxa para o Brasil, que só foi retirada em novembro.
Queda na produção local
Segundo o consultor do Safras & Mercados Fernando Henrique Iglesias, o aumento nas compras aconteceu, também, porque a produção argentina diminuiu por causa de secas e de medidas econômicas do governo anterior, que limitaram as exportações do país.
A produção de carne vem caindo nos últimos dois anos na Argentina, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). A previsão para 2025 é de uma queda de 100 mil toneladas em relação a 2024, volume semelhante ao que o país deixou de produzir no ano passado.
“No início desta década, os efeitos do La Niña acabaram afetando a taxa de prenhez das vacas na Argentina. O custo para produzir ficou muito alto e isso acabou gerando um encolhimento de rebanho”, diz Iglesias.
De 2023 a 2025, o número de bovinos na Argentina caiu de 68,8 milhões para 67 milhões, segundo o USDA.
Além disso, medidas econômicas do ex-presidente argentino Alberto Fernández influenciaram pecuaristas a diminuírem a produção. Quatro dias após assumir o governo, Fernández implementou taxas de exportação para diversos produtos agropecuários, incluindo uma de 9% para a carne bovina. Em maio de 2021, suspendeu as exportações de carne por 30 dias.
Estímulo às exportações
O atual governo liberal de Javier Milei adotou medidas opostas às do antecessor. Ele reduziu a taxa de exportação da carne bovina e a zerou entre 22 de setembro e 31 de outubro deste ano.
Segundo Thiago Bernardino de Carvalho, responsável pela área de pecuária no Cepea/USP, essas medidas estimularam o aumento das exportações.
“Com a Argentina podendo exportar mais, sobra menos carne no mercado doméstico, o preço sobe e ela vem para mercados como o brasileiro para comprar mais carne”, afirma.
Dados da Câmara da Indústria e Comércio de Carnes e Derivados (Ciccra) mostram que as exportações argentinas de carne caíram 10,5% em volume entre janeiro e outubro, na comparação com igual período de 2024, puxadas pela diminuição das compras da China.
Por outro lado, no mesmo período, as vendas argentinas para os EUA aumentaram 7,5%, enquanto as exportações brasileiras para os americanos despencaram em razão do tarifaço.
Segundo Lygia Pimentel, CEO da Agrifatto, a retirada parcial da carne brasileira do mercado americano abriu espaço para os argentinos nos EUA.
Países como Paraguai, Argentina e Austrália, grandes produtores e exportadores de carne bovina, têm comprado carne do Brasil para abastecer seus próprios mercados internos, enquanto exportam a própria produção para os Estados Unidos — prática legal e diferente da triangulação, que seria enviar aos EUA carne originalmente comprada do Brasil.
Carvalho, do Cepea, destaca que, além da proximidade geográfica, o Brasil tem a carne mais barata do mercado internacional, o que favorece sua escolha pelos argentinos.
Segundo dados da Agrifatto, enquanto o preço do boi no Brasil está em média em US$ 61, na Argentina chega a US$ 74,8; no Uruguai, a US$ 75,7; e no Paraguai, a US$ 64,5.
A compra de carne brasileira pelos argentinos recuou em outubro em relação ao pico de setembro, mas ainda permanecia acima do nível registrado um ano antes.
Segundo Iglesias, a tendência é que o Brasil continue aumentando as vendas para a Argentina.
“Como a produção argentina deve ficar deprimida em 2026, isso deve incentivar mais as importações”, afirma.
(G1)
