Sindicatos passaram a prever nas convenções coletivas o chamado termo de quitação anual de obrigações trabalhistas. O instrumento foi criado pela reforma (Lei nº 13.467, de 2017) para proteger as empresas de processos. Porém, a Justiça do Trabalho, nas poucas decisões sobre o assunto, não tem aceitado a medida.
Existem cláusulas em convenções coletivas dos setores de locação de veículos e de asseio e conservação do Estado de São Paulo, de instituições beneficentes e religiosas da Bahia, de asseio e conservação do Ceará e de farmácias de Rondônia. O instrumento é pouco utilizado, segundo advogados, porque há grandes chances de o Judiciário anular o que foi acordado.
O termo de quitação anual está previsto no artigo 507-B da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Segundo o dispositivo, “é facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria”. No parágrafo único, a norma acrescenta que “o termo discriminará as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente e dele constará a quitação anual dada pelo empregado, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas”.
Em algumas convenções coletivas, há certas particularidades. Na estabelecida pelo Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação no Estado de São Paulo (Seac-SP) e pela Federação dos Trabalhadores em Serviços, Asseio e Conservação Ambiental e Urbana e Áreas Verdes no Estado de São Paulo (Femaco), foi estabelecida uma comissão específica para deliberar sobre as regras.
Segundo o diretor do Seac-SP, Bruno Galvão, as entidades estão aperfeiçoando a ferramenta. “Só foram realizadas [quitações] em ambiente teste, ainda sem valor legal”, diz. Para ele, o desafio é tornar a ferramenta mais simples, de baixo custo e que possa ser utilizada em escala, sem que tome muito tempo tanto dos recursos humanos das empresas quanto dos responsáveis pela verificação das verbas.
O objetivo, acrescenta, é buscar sempre mais transparência e gerar tranquilidade ao trabalhador, uma vez que a quitação só poderá ser concretizada se todas as verbas estiverem de acordo com a legislação e se houver concordância do funcionário. Para ele, existe a expectativa de que a Justiça siga o que foi aprovado pela reforma. “Caberá então às partes trabalhar com toda transparência e providenciar uma engrenagem que transmita credibilidade”, afirma.
Na convenção coletiva firmada pelo setor de asseio e conservação do Ceará, referente a 2020 e 2021, foi criada uma tabela de valores para análise dos termos pelo sindicato dos trabalhadores. Entre um e cem, será cobrado 70 por termo. Entre 101 e 200, R$ 60. Acima de 201, R$ 50. De acordo com o texto, “fica vedado o desconto pelos empregadores de qualquer valor do trabalhador para fins de emissão do termo de quitação anual”.
O Sindicato dos Trabalhadores em Drogarias do Município de Porto Velho e o Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado de Rondônia também firmaram cláusula semelhante na Convenção Coletiva de 2019 a 2021. No caso, porém, estabelece que o empregado fica obrigado a assinar o termo de quitação anual, a ser homologado perante o sindicato laboral, mediante o pagamento pela empresa de R$ 30.
Para o advogado Jurandir Zangari Junior, do Zangari Advogados, “o intuito do legislador foi trazer maior segurança jurídica, garantido a eficácia liberatória para as verbas pagas no decorrer do contrato, assim como diminuir a litigiosidade”. A solução, acrescenta, é benéfica tanto para as empresas, que terão maior segurança jurídica, como para os empregados, que terão a possibilidade de ter uma questão trabalhista resolvida de forma mais célere. Além de ser vantajosa para os sindicatos profissionais, que poderão arrecadar com a homologação dos termos.
Hoje, porém, a ferramenta, de acordo com ele, tem sido pouco utilizada. “Um estudo da Fipe [Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas] apurou que aproximadamente 3% das normas coletivas estabeleceram cláusulas nesse sentido em diversos segmentos, principalmente, nos que apresentam alta rotatividade. Portanto, com potencial litigiosidade maior.”
As poucas decisões existentes no Judiciário, contudo, têm restringido o uso desses termos, com fundamentação no princípio da inafastabilidade da jurisdição. A juíza Marcela Cavalcanti Ribeiro, da 2ª Vara do Trabalho de Carapicuíba (SP), considerou válido o termo firmado entre um ex-empregado e uma empresa de ônibus. Porém, para ela, “não produz os efeitos pretendidos na contestação, sendo apto a atestar exclusivamente o pagamento das parcelas nele expressamente descritas, observado o montante consignado e efetivamente adimplido” (processo nº 1000885-37.2019.5.02.0232).
De acordo com a magistrada, a imposição da garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição), “impede qualquer interpretação da legislação infraconstitucional capaz de restringir o acesso à Justiça ou de inviabilizar que eventuais diferenças ou incorreções sejam questionadas ao Poder Judiciário pelo cidadão”.
Para ela, “não há óbice, portanto, à apreciação do mérito da demanda, mesmo com relação a direitos objeto dos termos de quitação anual, assegurada, evidentemente, a dedução dos valores já quitados sob a mesma rubrica.”
Apesar da boa intenção do legislador, afirma o advogado trabalhista Daniel Chiode, do Chiode Minicucci Advogados, o instrumento tem sido pouco usado porque a Justiça não leva muito a sério as soluções extrajudiciais. “Parte dos juízes ainda pressupõem que os trabalhadores, mesmo assistidos pelo sindicato, não têm capacidade para negociar. Acham que o trabalhador de 1943 [ano em que a CLT entrou em vigor] é o mesmo de 2020”.
Para a advogada Fabíola Marques, do Abud Marques Sociedade de Advogadas, esses termos até fariam sentido para funcionários que recebem mais do que o dobro do teto da Previdência Social (cerca de R$ 12 mil), mas não para todos os trabalhadores. “A chance de declaração de nulidade na Justiça é bem grande.”
(Valor Econômico)