Após ameaças em sessão, Carf diz prezar pela “liberdade de seus conselheiros”

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) publicou nesta quinta-feira (1º/4) uma nota de esclarecimento afirmando que “sempre prezou pela liberdade de manifestação de seus conselheiros”. 

O texto foi divulgado um dia depois de ser noticiado um julgado conturbado que ocorreu no Conselho. Nele, o presidente da 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção, Lázaro Antonio Souza Soares, afirmou que iria enviar representação contra conselheiros que divergiram dele em um processo sobre Direito aduaneiro. Soares também afirmou que os colegas poderiam perder o cargo se fossem representados. 

“É dever de todos os Conselheiros, e não apenas dos presidentes da turma, zelar pelo cumprimento das súmulas, que representam a jurisprudência pacifica e vinculante do órgão. Eventuais situações de distinguishing sempre foram e continuarão sendo avaliadas conforme o caso concreto. O Carf reafirma o compromisso com o cumprimento de seu Regimento Interno e respeito à democracia e ao devido processo administrativo fiscal”, diz a nota. 

Entenda
Conforme noticiado pela ConJur nesta quarta-feira (31/3), conselheiros que representam o contribuinte votaram no sentido de que cabe prescrição intercorrente em um caso aduaneiro julgado pela corte. A apreciação aconteceu no último dia 25. 

Soares, no entanto, disse que o posicionamento dos colegas violaria a Súmula 11 do Carf, segundo a qual “não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo”. 

As violações de súmula são passíveis de perda de mandato no Carf, e Soares se valeu disso para dizer que representaria os colegas caso eles mantivesse a opinião sobre a validade da prescrição. 

“Por dever de lealdade a todos os colegas, antes que sejam proferidos todos os votos, tenho que ressaltar que consultei a administração do Carf sobre essa situação e fui orientado que caso o voto seja contrário ao conteúdo da súmula, a questão deve constar em ata, de forma mais detalhada possível, e, em seguida, o presidente do colegiado deve fazer uma representação à Presidência do Carf dando notícia do ocorrido, que é exatamente o que eu irei fazer”, disse Soares. 

“Eu não demito ninguém e não julgo nada. Vou apenas fazer uma representação, consignar tudo em ata. Vocês serão ouvidos, a gravação será repassada. Se houver apenas uma distinção, não tem motivo para vocês se preocuparem”, prosseguiu. 

O que ocorre é que os conselheiros não votaram por violar a súmula, mas sim para fazer um distinguishing, ou distinção, reconhecendo a prescrição. Ou seja: para eles a súmula não se aplicava ao caso analisado, o que é diferente de julgar um caso a que a súmula se aplicaria, mas foi contrariada.

O próprio presidente citou o Manual do Conselheiro do Carf, que traz uma ressalva ao dizer que “quando a matéria tangenciar súmula do Carf e o julgador não aplicá-la por entender que os fatos de direito não se subsumem a ela, é preciso deixar expresso no voto tal entendimento”. Segundo ele, no entanto, o caso analisado não tangenciava a súmula.

Depois da manifestação do presidente, a conselheira Fernanda Kotzias disse se sentir coagida. “Se o senhor consignar em ata dizendo que eu descumpri súmula, o senhor está dizendo que eu não tenho direito a fazer um distinguishing, nos termos do manual do próprio conselho. Não quero ser representada. Esse é o meu trabalho, dependo disso para sobreviver, por isso me sinto, sim, coagida. Não é o caso de agir dessa forma”, afirmou.

Ela ressaltou, ainda, que a ameaça é mais grave para os conselheiros dos contribuintes, que têm de abrir mão de quaisquer outras atividades profissionais para trabalhar no Carf. Os representantes da Receita, por sua vez, se forem demitidos podem ser reintegrados à própria Receita, com rendimentos e benefícios integrais.

O conselheiro Leonardo Branco também se opôs ao presidente. “Eu preciso de serenidade, tranquilidade para dizer que a esse caso a súmula não se aplica. Estou contrariando a regra do Carf que diz que há perda de cargo se violar a súmula? De jeito nenhum. O manual do presidente diz: se houver distinguishing, basta consignar no voto e pronto.”

Por fim, depois de o presidente dizer que estava “muito triste” porque tinha avisado no começo da sessão sobre a aplicação da súmula, a conselheira Mariel Orsi Gameiro ressaltou que a aplicabilidade da Súmula 11 já está sendo estudada há tempos, mas que a situação na sessão tinha ultrapassado os limites do debate técnico.

“Nos meus anos como conselheira municipal, estadual e agora do Carf, nunca me senti tão acuada, tão constrangida em fazer um distinguishing da aplicação da norma”, afirmou. “Prescrição não é prescrição intercorrente; Direito tributário não é Direito aduaneiro. Mas acima de tudo, eu quero registrar a tristeza de participar pela primeira vez de uma turma ordinária e me sentir acuada como me senti aqui.”  Ela acompanhou a divergência para reconhecer a prescrição intercorrente.

Tributaristas repudiam
Após a divulgação do caso, oito entidades do Direito divulgaram nota de repúdio contra o presidente da 1ª Turma. De acordo com os signatários, a conduta de Soares “rompe a imparcialidade e a regra do livre convencimento motivado, ao se pretender, por meio de ameaças e de coação, buscar impedir o conselheiro do Carf de se posicionar de forma técnica e fundamentada”. 

Ainda segundo o documento, “no caso em questão, claramente não houve ofensa à súmula, mas simples conformação muito bem fundamentada do seu âmbito de eficácia, e a reação do presidente demonstra a tentativa de manter à força aquilo que não pode sustentar com argumentos técnicos”. 

O documento é assinado pela Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF); Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt); Associação Paulista de Estudos Tributários (Apet); Instituto de Estudos Previdenciários, Trabalhistas e Tributários (Ieprev); Instituto de Pesquisas Tributárias (IPT); Instituto de Direito Tributário da Bahia (ITB); Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp); e Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT).

Representação da OAB
Além da manifestação, a Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB aprovou o envio de uma representação ao Carf para que sejam adotadas medidas contra Soares. 

“A conduta acima descrita gerou merecido repúdio na comunidade jurídica, tendo ensejado a publicação, ao longo do dia, de veementes notas pelas mais diversas entidades”, diz a Ordem. 

A OAB também recomendou que Soares seja representado no Ministério Público por ofensa à Lei de Improbidade Administrativa, de Abuso de Autoridade e ao Código Penal caso os conselheiros do Carf sofram punições por terem discordado do presidente da 1ª Turma. 

(ConJur)

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