Acreditamos que o ministro Haddad tenha dado um tiro no próprio pé ao trazer à tona o retorno do voto de qualidade no CARF.
Diversas entidades e juristas de renome têm criticado abertamente essa tentativa do ministro da Fazenda, pois trata-se de um retrocesso.
Em nosso ponto de vista, o restabelecimento do voto de qualidade, por meio da Medida Provisória 1.160/2023, também não parece ser um movimento democrático do Governo Lula.
O CARF é um ente da Administração Pública e atua como revisor dos atos da própria Administração Pública Tributária Federal. A participação dos “contribuintes” não pode ir além da contribuição ao debate e da deliberação durante os julgamentos do órgão público.
Cumpre lembrar que a origem desse modelo paritário de Conselho Administrativo de Revisão é permanente. Ele foi exigido pelas “elites econômicas” no período ciclônico da República Oligárquica, em 1924, com a finalidade de concordarem com a introdução do imposto de renda no Brasil e, assim, poderem controlar a sua cobrança.
O título II do artigo 142 do Código Tributário Nacional (CTN) determina: “Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo, tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente; determinar a matéria tributável; calcular o montante do tributo devido; identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.
Em parágrafo único, estabelece: “A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”.
Ou seja, o ato de revisão do lançamento tributário não pode ser proferido sem a presença de um agente público competente (investido na careira) no âmbito da Administração Pública, por razões ainda mais relevantes que a prerrogativa para realizá-lo (art. 142 do CTN e inciso XVIII do art. 37 da CR88).
O processo administrativo corresponde ao lançamento. Este, por sua vez, pode ocorrer em duas instâncias, assim como no âmbito federal. Ele não é, senão, um processo revisional da administração que, ao fim, poderá confirmar o lançamento como integral ou parcialmente definitivo.
Entendemos que devemos nos ater ao CTN, que é uma norma com eficácia de Lei Complementar, só podendo ser modificada por lei com a mesma eficácia.
Posto isso, a Lei Ordinária que determinar a continuidade, via judicial, do processo revisional do lançamento, em verdade, transformará um dos três Poderes do Estado em um revisor do lançamento, ferindo o CTN tanto formalmente, por passar a ser modificado por Lei Ordinária, quanto materialmente, por transformar o Poder Judiciário em lançador de tributo (já que o CARF, no processo revisional, julgou improcedente a peça fazendária).
Na verdade, o retorno do voto de qualidade é, como apontaram diversas entidades e juristas de renome, um retrocesso que levará ao aumento da judicialização e do contencioso das decisões do órgão, justamente pela insegurança jurídica criada pela MP.
O pacote de ajuste fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda causa preocupação não só pela forma como foi apresentado, mas, também, por indicar um cenário de aumento de impostos, cerceamento dos contribuintes e enfraquecimento da segurança jurídica.
Tudo indica que as propostas da Fazenda, caso venham a obter êxito, contribuirão para uma redução da renda dos trabalhadores, problemas na produtividade das empresas e, muito provavelmente, uma desaceleração da nossa economia.
Aguardamos, com muita ansiedade, o bom senso do ministro da Fazenda em desistir da demanda contida na Medida Provisória. Tentar o retorno do voto de qualidade do CARF gerará grande insegurança jurídica para toda a sociedade brasileira.
Luiz Ramos – Presidente do SINDICOMIS, ACTC e CIMEC