Antes de começarmos este artigo, que conta uma história triste para o comércio exterior brasileiro, devemos fazer um ajuste no artigo anterior “OCV para Incoterms antigos na importação”, publicado no dia 23/03/2021.
No mesmo dia da publicação do nosso artigo, a RFB publicou a seguinte Notícia Siscomex – que consideramos muito infeliz, e que matou um trecho do nosso artigo – que dizia que, pela primeira vez, podíamos utilizar duas versões dos Incoterms® no Siscomex. A de 2010 e de 2020.
“Notícia Siscomex-Importação-0014 Incoterm DPU (23/03/2021)
Em 25/03/2021, entrará em produção a possibilidade de utilização do Incoterm DPU, em substituição ao DAT, no Siscomex DI. A referida data marcará também o fim de validade de utilização do Incoterm DAT.
Até o dia 24/03/2021 ainda será possível o registro de DI com Incoterm DAT, mas a partir do dia 25/03/2021 será apresentado erro no diagnóstico para o referido Incoterm, salvo nos casos em que já existam LI deferida com essa informação.
Torna-se sem efeitos a Notícia Siscomex Importação nº 9, de 11 de março de 2020.
Coordenação-Geral de Administração Aduaneira
(Extraída do Portal Siscomex)”
Além do acerto no artigo anterior, temos como objetivo, aqui, apenas registrar para a história um fato que poucos conhecem, se é que alguém conhece. Tínhamos há muito tempo essa vontade, mas fomos deixando de lado.
Não vai mudar nada na história dos Incoterms em termos de operação, pois é passado. Certamente prejudicou muitas operações de importação entre 01/01/2000 a 15/09/2010, mas passou. É água que já passou debaixo da ponte, e cada gota só passa uma vez. Não voltará a passar.
Mas, claro, é sempre bom colocar ao mercado. A história deve sempre ser registrada, não importa em qual época.
Para a Receita Federal do Brasil (RFB), a versão 2000 dos Incoterms, aquela que traduzimos oficialmente para o Brasil, aprovada pela ICC – Rio de janeiro e Paris, e publicada pelo Grupo Aduaneiras durante 11 anos, não existiu oficialmente. Ela nunca entrou em vigor, nunca foi colocada no Siscomex para uso dos brasileiros. Só existiu para vendedores e compradores reais, que as utilizavam, com uma exceção.
E como sabemos disso? Na realidade nunca soubemos efetivamente, com certeza, naquele período. Apenas desconfiávamos do fato. Isso ficou claro para nós em 16/09/2011, quando a RFB colocou em vigor os Incoterms® 2010.
Todos sabem que, além do termo DDP – Delivered Duty Paid, na versão 1990, também o termo DEQ – Delivered Ex Quay não podia ser registrado no Siscomex, portanto, também nele não se podia importar.
É que ele, assim como o DDP, determinava que o vendedor estrangeiro deveria realizar as formalidades alfandegárias no Brasil para a nossa importação. E sabemos que a RFB nunca permitiu isso. E temos dúvida se algum dia permitirá.
Mas, há que ter esperança, e ela até já existe. A RFB hoje tem uma abertura para o EX Works, em que o comprador estrangeiro deve realizar as formalidades alfandegárias para a exportação do Brasil, que sempre teve que ser realizada pelo vendedor brasileiro, contrário aos Incoterms.
Sendo por conta e ordem, agora se permite que o comprador estrangeiro nomeie alguém no Brasil para fazer o despacho por ele, e a quem ele paga. Na realidade, em termos práticos e de acordo com os Incoterms, não muda muito, pois continua sendo feito por uma empresa brasileira. O que muda, é que o vendedor não tem mais essa responsabilidade perante o comprador que, dessa maneira, também assume o risco do despacho e da exportação, com alguém que é contratado por ele.
Mas, voltando à versão 2000, ela mudou o lado da responsabilidade das formalidades alfandegárias no DEQ, para que agora isso fosse responsabilidade do comprador. Com isso, a importação DEQ passava a ser possível.
No entanto, durante todo o período de vigência da versão 2000, nunca se pode fazer a importação neste termo.
Logo no início, acionamos um amigo que tínhamos, e que comandava a Secex – Secretaria de Comércio Exterior do MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio exterior, para ver o que estava acontecendo e para permitir a importação.
Certamente esse assunto não era com ele, mas com a RFB, mas, devido a sua importância, e de seu cargo, e estando em Brasília, talvez pudesse nos ajudar. Nada conseguimos.
Em 01/01/2011, data em que entrou em vigor a versão 2010, ela também não foi incorporada ao Siscomex. Assim, como agora, em que a versão 2020 só entrou em vigor no Siscomex em 25/03/2021. Nunca entenderemos porque a ICC passa três anos revisando os Incoterms – todo mundo sabendo, e a RFB também -, e ela não o incorpora no primeiro dia, que no atual seria 01/01/2020.
Para que a versão 2010 fosse colocada no Siscomex, foi necessário que a Camex (Câmara de Comércio Exterior) soltasse uma resolução, da qual participamos da formulação, determinando à RFB que o colocasse em Abril de 2011. No entanto, foram necessárias duas prorrogações, uma em junho e outra em agosto, para que a RFB colocasse em vigor a versão 2010. O interessante é que a Camex é um colegiado de sete ministros, e que não foi obedecido.
Aí é que notamos que a versão 2000 nunca tinha entrado em vigor e nem colocada no Siscomex. Como os termos eram os mesmos na versão 1990 e 2000, com 13 termos iguais, a RFB considerou que nada havia mudado. Como a gente sabe que a RFB não é expert em Incoterms, não o conhece como deveria, o que estranhamos sempre, nem ficou sabendo da inversão da responsabilidade das formalidades alfandegárias, passando do vendedor para o comprador no DEQ.
Triste situação, em que a colocação dos Incoterms no Siscomex é sempre feita com muito atraso.
Em 2000 o atraso foi de 11 anos, portanto, com a mudança, nem vigorou. A versão 2010 teve um atraso de 8,5 meses. A 2020 um atraso de quase 15 meses. O que será que justifica isso?
Autor(a): SAMIR KEEDI Bacharel em economia, professor da Aduaneiras e universitário de MBA, especialista em transportes e logística internacional, consultor e autor de diversos livros em comércio exterior, tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000 e representante brasileiro para revisão do Incoterms 2010. |