Depois de aprovado que, em caso de empate, o voto de qualidade será sempre a favor do contribuinte, é preciso encarar com naturalidade que o convencimento jurídico deve prevalecer nos julgamentos do CARF. Afinal, em muitos casos, os representantes dos contribuintes nesse colegiado decidem em favor da Fazenda e os representantes da Fazenda, em favor dos contribuintes. Isto, sim, é fazer justiça.
Dados do segundo semestre deste ano mostram que, no CARF, existem 122 mil processos aguardando julgamento. Só a expressividade dessa informação aponta a importância desse órgão e a necessidade de ele contar com uma governança eficaz, técnica, equilibrada e justa. Portanto, o CARF deve ser compreendido como muito mais do que uma instância recursal administrativa ou um órgão encarregado de julgamento administrativo.
Lamentavelmente, muitos advogam pela extinção do CARF por considerarem que, mesmo depois da sua decisão, “a discussão vai parar no Judiciário”, o que o tornaria (na opinião dessas pessoas) um “órgão inútil e desnecessariamente dispendioso”. Mas quem se debruça com mais atenção sobre suas decisões verá que muitos dos julgamentos do CARF são levados em conta pelo Judiciário.
É importante que o CARF, por produzir uma espécie de “protojustiça” ou uma “pré-justiça”, seja encarado como deve ser: como um órgão de efetivo julgamento. Daí a preocupação em tornar suas práticas tão próximas quanto possível de um órgão judicial, com mecanismos de garantia de atuação de seus conselheiros, o distanciamento destes em relação às partes e outras formas de outorgar integridade ao resultado de sua atuação institucional.
Mas, voltando ao fim do voto de qualidade, esta “jabuticaba” surgiu no ordenamento jurídico brasileiro para julgamento administrativo de questões tributárias no ano de 2009. Desde então,
em caso de empate no julgamento, constituía prerrogativa do presidente do órgão julgador proferir um “voto de desempate”.
Espertamente, a Fazenda Nacional se cercou de cuidados para garantir que o voto de qualidade sempre fosse tomado por um representante escolhido por ela. Assim, a Presidência de um órgão julgador, como o CARF, sempre é ocupada por um representante dela própria.
E mais: no caso da ausência do presidente, não será o vice (oriundo da cota de representação dos contribuintes) que assume o cargo, mas uma figura denominada “Presidente Substituto”, que deve ser obrigatoriamente um membro representante da Fazenda Nacional.
Graças à nova lei, em caso de empate, a decisão será favorável ao contribuinte. E, como uma lei é hierarquicamente superior a um regimento interno, nem é necessário revogar esses dispositivos nefastos e tendenciosamente favoráveis ao Fisco.
Curiosamente, enquanto prevaleceu o voto de qualidade em favor da Fazenda, as entidades representantes dos agentes fiscais fingiram não ver problema algum na composição do CARF. Mas, tendo perdido o “direito” ao voto de desempate, resolveram investir contra o próprio órgão e sua composição.
Em representação ao Ministério Público Federal, essas entidades pedem que os conselheiros representantes dos contribuintes sejam escolhidos por meio de concurso público. Atualmente, são indicados por confederações representantes do setor produtivo e por entidades sindicais.
O argumento das entidades que representam os agentes fiscais é tão sólido quanto uma montanha de talco. Para citar um único contraponto, basta dizer que os conselheiros representantes dos contribuintes se submetem a todo um processo de seleção subordinado ao crivo da PGFN, do Ministério da Economia e do próprio CARF, que consideram evidentemente a formação acadêmica e profissional do cidadão indicado.
Precisamos proteger os conselheiros do CARF. O ideal é contar com mecanismos capazes de garantir que eles (sejam representantes da Fazenda ou dos contribuintes) tenham condições práticas de julgar com independência e autonomia em relação à representação a que estão supostamente atrelados.
É fácil constatar que todos os “remédios” que estão sendo preconizados pelas entidades representantes dos agentes fiscais para, supostamente, aprimorar a atuação dos conselheiros representantes dos Contribuintes se aplicam com muito mais propriedade aos próprios representantes da Fazenda.
Se, por um lado, os representantes dos contribuintes sempre têm formação jurídica, isto é raríssimo dentre os da Fazenda. Então, como admitir que um conselheiro, com atuação perante um órgão julgador, seja um dentista, um engenheiro, um contador, um médico ou um sociólogo sem qualquer formação jurídica? É justamente o que acontece com os conselheiros do CARF representantes da Fazenda!
Depois da morte do voto de qualidade, se pretendemos que o CARF se transforme em órgão de pré-julgamento jurisdicional com um mínimo de qualidade técnica, esta aberração precisa ter fim.
Luiz Ramos
Presidente do SINDICOMIS, ACTC e CIMEC