O MPor (Ministério de Portos e Aeroportos) começou a destravar uma etapa importante da regulamentação da BR do Mar. A consulta pública sobre embarcações sustentáveis na cabotagem, iniciada na quarta-feira (12), deve durar um mês, período em que a pasta vai receber contribuições sobre as diretrizes do enquadramento desses navios. O processo vai render um debate com o setor, mas, por ora, a avaliação preliminar feita no mercado é de que a proposta apresentada pelo ministério cria mais empecilhos e burocracias para a descarbonização do setor do que facilidades e estímulos.
O decreto da regulamentação da BR do Mar foi esperado por três anos e publicado em julho deste ano. Deixou como ponta solta um dos principais tópicos: os critérios para as embarcações sustentáveis. A definição dos critérios são a chave para a flexibilização do afretamento a tempo – aluguel de navio que mantém a bandeira de fora e, portanto, gera menos custos para quem faz a contratação.
Quando a lei foi sancionada, mesmo sem regulação, o programa tinha a expectativa de que uma maior abertura ao uso de navios estrangeiros na navegação de cabotagem pudesse reduzir custos nesse transporte e até dobrar sua participação na matriz de transportes do país, hoje limitada a algo na casa dos 8%, segundo dados oficiais.
Durante a espera da regulamentação, as empresas começaram a se utilizar da lei para trazer mais navios estrangeiros para o transporte marítimo na costa, mas em volume aquém das expectativas anunciadas.
Em entrevista à Agência iNFRA, o diretor-presidente da ABAC (Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem), Luis Fernando Resano, considerou que a medida do MPor é positiva porque a ideia é limitar a entrada de navios velhos que podem prejudicar o meio ambiente. Entretanto, entendeu a portaria como “extremamente burocrática”.
Entre os pontos críticos para o setor, está o trecho da minuta da portaria que pede que para um navio navegar no Brasil é necessário cumprir a pontuação mínima definida pela M.A.R.E.S. (Matriz de Avaliação de Requisitos de Embarcações Sustentáveis), referente ao ano vigente, o que para Resano é um ponto de interrogação.
“Para obter a certificação dessa sociedade classificadora, não se verificou se ela realmente tem interesse e competência para isso. Quem é que vai dizer se essa sociedade classificadora é, de fato, competente para realizar esse trabalho?”, questionou.
Os critérios da M.A.R.E.S abrangem aspectos sociais, ambientais, de governança e prosperidade econômica, totalizando 30 pontos possíveis. Entre as exigências estão a contratação de tripulação majoritariamente brasileira, o controle da intensidade de gases de efeito estufa (GFI) conforme padrões da IMO (Organização Marítima Internacional) e o uso de combustível marítimo com, no mínimo, 24% de biodiesel (B24) certificado.
O nível do uso do biocombustível também é um ponto de preocupação da ABAC, já que o Brasil não fabrica o produto. “Eles colocaram um nível de exigência muito maior em relação aquilo que a gente vai poder cumprir. Temo que isto vá inviabilizar a vinda de novos navios. Lá no projeto de lei [BR do Mar], quando a gente vai ler a justificativa era para aumentar a oferta de navios, mas com isso nós estamos trazendo um freio para não permitir que venham mais navios […] Embora eu concorde que seja um freio para não vir navios velhos, a gente não pode limitar a entrada de novos navios que venham a atender melhor a sociedade”, afirmou.
Na escala de flexibilização do afretamento de navios baseados em frota própria, a condição mais vantajosa será dada aos navios verdes, prevê o decreto do BR do Mar. A companhia poderá alugar até três vezes o que tiver de lastro em navio brasileiro se tanto a frota estrangeira quanto a nacional forem de embarcações sustentáveis.
Trabalhista
Outro ponto que chamou a atenção do setor na minuta foi a exigência de comprovação documental sobre a falta de tripulantes brasileiros para justificar a contratação de trabalhadores de outro país. De acordo com a proposta, a empresa precisará “testar, mediante comprovação documental, a ausência ou impossibilidade de contratação de profissionais brasileiros aptos a exercer a função”.
Os certificados e cursos a que se refere a exigência da minuta são os cursos de aperfeiçoamento para oficiais de máquinas e náutica ofertados pela Marinha do Brasil nos Ciaba (Centro de Instrução Almirante Braz Aguiar) e Ciaga (Centro de Instrução Almirante Graça Aranha), ou outros centros, nacionais ou internacionais, devidamente homologados e endossados pela autoridade Marítima brasileira.
Segundo Resano, alguns peruanos estavam sendo trazidos para trabalhar regularmente no Brasil na navegação, através de um acordo com Mercosul, mas de acordo com a portaria isso não vai poder acontecer.
“Vamos ter muita dificuldade para provar que não existe marítimo para trabalhar na navegação brasileira […] Eu sei que estamos protegendo os trabalhadores – e devemos mesmo protegê-los –, mas é algo tão absurdo que nem a legislação impede esses profissionais de trabalhar aqui no Brasil. Entretanto, vem uma portaria e diz que eles não podem trabalhar”, afirmou.
Contribuições
A portaria está na plataforma “Participa + Brasil” até o dia 12 de dezembro e foi elaborada em conjunto com o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). O secretário nacional de Hidrovias e Navegação, Otto Burlier, reforçou que o processo é essencial para aprimorar a regulamentação e garantir que as diretrizes de sustentabilidade sejam consolidadas de forma participativa.
“Estamos iniciando a consulta pública para receber as contribuições de toda a sociedade sobre o que é uma embarcação sustentável. Esse é um tema essencial para colocar em prática o programa BR do Mar e consolidar o transporte marítimo como vetor da transição energética brasileira”, disse em nota divulgada pelo MPor.
Como medida da COP30, o MPor também anunciou, junto com a Infra S.A. o IDA-Navegação (Índice de Desempenho Ambiental da Navegação). A ferramenta mede o nível de sustentabilidade de empresas e embarcações da navegação interior e costeira, promovendo eficiência energética, redução de emissões e proteção dos ecossistemas aquáticos, segundo a pasta. O índice reúne 39 indicadores distribuídos em quatro dimensões e permitirá classificar as empresas conforme seu desempenho ambiental.
Para Burlier, o instrumento alia rigor técnico e transparência à inovação e governança ambiental, tornando o setor mais competitivo e sustentável. Na avaliação da diretora de Sustentabilidade do MPor, Larissa Amorim, o índice consolida o papel do ministério na transição ecológica global, enquanto o superintendente da Infra S.A., Bruno Marques, destacou que a ferramenta complementa os indicadores já existentes em outros modais e impulsiona novas iniciativas de sustentabilidade na logística aquaviária.
(Agência iNFRA)
