Empresas aplicam advertências e demitem por causa do home office

Empregados têm sofrido advertências e punições por comportamentos inadequados durante o home office na pandemia. Apesar de a maioria ter se adaptado bem, inclusive com maior produtividade, em certos casos as empresas estão demitindo por justa causa. A informação vem de advogados trabalhistas que passaram, nas últimas semanas, a serem consultados com maior frequência sobre o tema.

Há casos de trabalhadores que apresentam atestados médicos falsos para afastamento por covid-19 e acabam flagrados fora do isolamento necessário — até mesmo em festas — ou que se recusam a voltar ao trabalho presencial ou atuar em local e horários diferentes. Também há quem não cumpra prazos para, por exemplo, entrega de relatórios ou não respondem aos chamados da empresa.

“Alguns acabam não cumprindo suas obrigações e infelizmente confundindo home office com férias”, diz a advogada Mayra Palópoli, sócia do Palópoli & Albrecht Advogados.

De acordo com ela, tem ocorrido um aumento de consultas sobre a possibilidade de demissão por justa causa. Um dos casos em que foi aplicada a punição, exemplifica, é o de um funcionário que estava em uma festa, registrada em rede social, e dizia estar com covid. “A jurisprudência está consolidada em confirmar a justa causa quando há apresentação de atestado médico falso.”

A demissão por justa causa está prevista no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O dispositivo elenca 13 situações para aplicação da medida. É caracterizada como uma punição ao empregado, que perde praticamente todos os direitos de rescisão. Só recebe saldo de salários e férias vencidas, com acréscimo do terço constitucional. Fica sem aviso prévio, 13º salário, multa do FGTS e seguro-desemprego.

Apesar das demissões por justa causa continuarem ocorrendo na pandemia, os números do primeiro semestre foram menores em relação ao ano passado, segundo dados fornecidos ao Valor pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Foram efetuadas 96.132 no período. No primeiro semestre de 2019, 113.640.

A recusa do funcionário em trabalhar em determinados locais ou condições, em meio à pandemia, também pode caracterizar justa causa, alerta Mayra. Isso é comum, acrescenta, com clientes das áreas de segurança e limpeza, por exemplo, com contratos em que não fica estipulado o endereço de prestação dos serviços, justamente por ser variável.

Em um dos casos analisados por ela, um funcionário de uma empresa na área de prestação de serviços de manutenção de prédios se negou a trabalhar em dois locais na mesma cidade, após redução de horário e público.

Em outra situação, após o término de contrato de suspensão de trabalho, um manobrista de um valet de um restaurante que fechou se recusou a atuar em outro local e turno.

Para a advogada, tratam-se de atos de insubordinação, passíveis de justa causa e que servem de exemplo para os demais. “A empresa não pode abrir exceção para uns e para outros não”, diz.

Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio Grande do Sul divulgou em seu site resultado de julgamento em que entendeu que o Banco do Brasil não agiu de forma ilegal ao convocar para o trabalho presencial empregados que estavam afastados por morarem com pessoas enquadradas no grupo de risco (MS 00217079020205040000). A medida foi revogada pela instituição no fim de julho.

A advogada Letícia Ribeiro, sócia do Trench Rossi Watanabe, também registrou aumento no número de consultas sobre advertências a funcionários. Ela alerta, porém, que demissões por justa causa só em situações extremas. “A justa causa não é comum no Brasil e fica reservada para comportamentos extremamente graves, por ter uma probabilidade maior de litígios”, afirma.

Em geral, acrescenta, o que tem ocorrido com mais frequência são ajustes. “De uma hora para outra, as pessoas se viram trabalhando integralmente de casa, sem supervisão e ainda tendo que lidar com todas as questões familiares e com mais obrigações que surgiram. Nem todos conseguiram se adaptar bem e em um curto espaço de tempo.”

As empresas, em alguns casos, segundo Letícia, tiveram que chamar a atenção de funcionários que postaram fotos em redes sociais de momentos de lazer ou viagem durante o horário do expediente. Ou até mesmo de empregados que não estavam se vestindo ou se portando adequadamente durante videoconferências. “É necessário que as pessoas tenham bom senso. Mesmo em casa, o contato tem natureza profissional”, diz.

Nessas situações, a advogada recomenda que seja feita uma videoconferência do funcionário com seu supervisor e algum representante do departamento de recursos humanos para explicar o motivo da advertência.

Em seguida, que seja assinado digitalmente ou que seja enviado o documento para o funcionário assinar em casa. “Nesses casos pontuais, é importante agir tempestivamente para evitar que exista uma política de tolerância a comportamentos inadequados no ambiente de trabalho.”

Em geral, segundo o advogado trabalhista Luiz Marcelo Góis, do BMA Advogados, os funcionários estão preocupados com o emprego. “O nível de indisciplina não costuma ser muito grande em tempos de incerteza”, afirma. Ele diz que recebeu consultas de empresas em atividades essenciais. Casos de funcionários que se recusavam a usar transporte público para ir ao trabalho.

“Na maioria dos casos, o que eu tenho visto é o diálogo. Companhias tentando arrumar horário alternativo de entrada e saída ou concentrando a jornada em determinados dias para diminuir a frequência no transporte público” diz. Em caso de recusa, acrescenta, o empregado pode ser advertido.

A justa causa, diz o advogado, é evitada pelo fato de as empresas correrem o risco de ter que enfrentar processos trabalhistas e apresentar provas. Ele afirma que um empregador, por exemplo, decidiu demitir sem justa causa um funcionário que apresentou atestado médico falso de covid de um familiar para não ir trabalhar, por não ter como comprovar. “Cada demissão por justa causa é uma ação trabalhista. A empresa não quis se aborrecer.”

(Valor Econômico)

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