Por meio de um mandado de segurança, o Movimento de Defesa da Advocacia (MDA) tenta anular três artigos do código de ética do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que, na visão da entidade, violam prerrogativas da atividade no tribunal administrativo. O recurso, que será analisado pela 20ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, poderá tornar nulos, para uma parcela de advogados, dispositivos que regulamentam a audiência com conselheiros e a entrega de memoriais após o começo do julgamento.
A associação, que possui cerca de 4 mil advogados associados, busca derrubar a previsão de que as audiências entre a parte e os julgadores sejam gravadas e acompanhadas por um servidor público terceiro, que seja alheio ao caso e esteja presente para evitar atos antiéticos. O mandado de segurança pede também que se derrube a vedação à manifestação da parte, assim como a entrega de novos memoriais, após o início de seu julgamento. Tais previsões constam nos artigos 32, 33 e 34 do código de ética.
“A advocacia precisa ser exercida com liberdade, autonomia e independência, em instituições que realmente funcionem dentro das regras do nosso Estado Democrático de Direito”, argumentou o presidente da entidade, Eduardo Perez Salusse.
Procurado pelo JOTA, o tribunal administrativo defendeu que os artigos não trazem prejuízos à atividade da advocacia, mas ressalvou que a normatização relativa a audiências ocorre porque os conselheiros não possuem gabinetes no tribunal, analisando processos em ambiente externo à sua escolha.
“A normatização da concessão de audiências está inserida no Código de Ética do Carf no capítulo que trata do conflito de interesses e revela que a intenção foi resguardar os Conselheiros, bem como todo e qualquer agente público em exercício no Carf, quanto a eventuais acusações infundadas e, especialmente, quanto à situação que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública”, consta na nota enviada ao JOTA.
Carf questionado nos tribunais
Na petição inicial, a associação sem fins lucrativos, que tem 77 conselheiros, busca reafirmar que o advogado é instrumento por meio do qual serão garantidos o contraditório, a ampla defesa, a segurança jurídica, a cidadania e os direitos humanos. Ao se referir ao Carf, a entidade questiona: “como poderia o advogado garantir a ampla defesa de seus representados, sendo que o seu acesso aos ilustres julgadores vem sendo restringido e até impedido?”.
Segundo o documento enviado à Justiça Federal, há violação ao inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, que trata do direito ao contraditório, e do artigo 133, que define o advogado como indispensável à administração da Justiça. “Impor as formas como um advogado pode se direcionar a um Conselheiro é ir na completa contramão daquilo que estabelece o artigo 133 da Constituição Federal”, aponta o texto.
Haveria também, segundo o pedido, violações à Lei nº 8.906/1994, que regulamenta a atividade da advocacia no Brasil. “Como se verifica, para cada disposição constante […], há um artigo específico do Estatuto da Advocacia que determina exatamente o oposto”, concluem os autores da petição. Além de Salusse, o tributarista Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli assina o documento.
O pedido, apresentado na manhã da última quarta-feira (24/07) e que possui pedido liminar, ainda não foi apreciado pela juíza titular da vara, Adverci Rates Mendes de Abreu. Segundo o autor do mandado de segurança, não se trata apenas de uma cautela necessária. “Por mais que [as medidas alvo do mandado de segurança] não sejam aplicadas no dia-a-dia, há previsão regimental”, apontou Lunardelli.
Segundo o tributarista, a aplicação do código, na prática, poderia inviabilizar ações consideradas naturais para o desenvolvimento da atividade, tais como esclarecimentos de fato feitos da tribuna ou o envio de novos memoriais em caso de o julgamento ser adiado ou suspenso para vistas.
Meses de polêmica
O texto do código de ética do Carf, publicado no final de abril pela entidade após meses de consulta pública, é alvo de críticas desde sua primeira edição. Na versão inicial, havia uma vedação a conselheiros a comentar qualquer caso do Carf em aulas, palestras, livros e seminários fora da entidade. Alvo de questionamentos, reservados e públicos, de pesquisadores, conselheiros e ex-conselheiros, o trecho foi apelidado de “mordaça” ou “mordaça acadêmica”. Na semana seguinte, o artigo foi revisto.
As normas mais rígidas em relação às atividades da advocacia, porém, foram mantidas. Em junho, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) oficiou o Carf por conta dos mesmos artigos agora levados à Justiça pelo MDA. No ofício, a OAB expressou insatisfação com a recomendação. “O respeito às prerrogativas profissionais da advocacia constitui garantia da própria sociedade das pessoas em geral, porque o advogado, neste contexto, desempenha papel essencial na proteção e defesa dos direitos e liberdades fundamentais”, afirmou. “Tratam-se, em suma, de condições necessárias ao próprio exercício da profissão, ou seja, prorrogativas legais dos advogados que constituem direito público subjetivo e que, portanto, não podem ser afastadas por atos da Administração Pública”.
O Carf salientou que não irá seguir as propostas feitas no mês passado pela OAB, “Por entender que [as regras atuais] estão adequadas”. Segundo nota enviada pelo tribunal, após provocação do tema pela OAB, “orientou todos os presidentes de colegiados a transmitir aos demais conselheiros que a vedação de que trata o art. 34, § 2º (realização de discussões particulares entre conselheiros e interessados sobre processos, fora do ambiente de audiências) não abrange receber memoriais em ambiente de sessão pública.”
Apesar de membros de antigas diretorias da OAB comporem o conselho do MDA, houve críticas ao papel político da Ordem. “Há muitos advogados desconfortáveis em se submeter a este tipo de abuso, de ter de agendar horário e ser atendido com hora marcada, com restrições de toda a sorte, e com o receio justo represálias ao se adotar medidas individuais”, disse Salusse. “Mas nada impede que um caminho político seja adotado em paralelo.”
O mandado de segurança coletivo, caso aceito pela Justiça Federal, irá beneficiar apenas os membros do MDA. Salusse garante, porém, que a medida pode ser replicada por agentes individuais, escritórios de advocacia e outros interessados em anular os efeitos dos artigos 32 a 34.
O JOTA questionou o Carf se as medidas, previstas nos artigos em discussão, seriam reforçadas prontamente. O tribunal administrativo pontuou duas mudanças que já estão em vigor: uma página no site do órgão, que permite o envio instantâneo de memoriais, assim como o aumento de salas disponíveis para audiências. “Outras medidas, em andamento, são: a centralização no recebimento de solicitações de audiência por uma equipe especializada e de um espaço no sítio para solicitação de audiência também por meio de formulário próprio.”
Salusse, que assumiu a presidência do MDA em fevereiro deste ano, afirmou que a entidade irá manter a pressão contra o tribunal administrativo. “Estes dispositivos do código de ética não serão as primeiras e nem as últimas medidas adotadas pelo MDA para que o Carf tenha um status de independência e moralidade que dele se espera.”
(Fonte: Jota)