Empresas de navegação que operam em Santos (SP) estão sensivelmente preocupadas com a falta de condições do canal de acesso do principal porto da América Latina e alertam que o problema pode se agravar e comprometer ainda mais a capacidade das operações. Considerada o principal projeto para ajudar a resolver gargalos imediatos no complexo portuário, a concessão do canal aquaviário do porto é prometida desde o governo Bolsonaro (2019-2022).
A ideia foi mantida pela gestão atual, mas os estudos, agora sob a responsabilidade do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), ainda não foram para consulta pública. A cadeia de agentes que opera em Santos diz que os investimentos são urgentes.
Embora seja um dos ativos de infraestrutura mais relevantes do país, cujas trocas no comércio exterior avançam ano a ano, o Porto de Santos não consegue receber navios maiores ou operando na capacidade máxima de carga.
Hoje, a profundidade oficial do canal de navegação é de 15 metros, podendo chegar a 16 metros na maré alta. O quadro permite calados de até 14,5 metros para as embarcações, mas a condição só é alcançada em situações climáticas altamente favoráveis, o que reduz significativamente a potência operacional das embarcações. As empresas de navegação pedem no mínimo 17 metros para comportar navios com calado apropriado para atender a demanda do porto.
“Hoje nós temos falta de berço, falta de calado e falta de espaço de armazenagem. Então nós estamos perto de colapsar”, afirmou à Agência iNFRA o diretor-executivo do Centronave (Centro de Navegação Transatlântico), Cláudio Loureiro. A entidade representa 19 armadores com atuação no Brasil.
“Precisamos de no mínimo 17 metros ou 17,5 metros, mas, na maré alta, temos apenas 16 metros ou até menos. O problema é que, quando o navio está carregado e a maré está baixa, é preciso aguardar a maré subir. É algo meio bizarro”, relatou o executivo.
O tempo de espera para atracar no Porto de Santos pode durar até 50 horas devido à sobrecarga do terminal. A dificuldade que as companhias de navegação estão enfrentando já faz com que empresas retirem navios maiores de Santos. Uma das companhias associadas do Centronave trouxe uma embarcação com 366 metros de comprimento, mas não manteve a operação com essa embarcação devido às dificuldades de navegação.
“A situação que nós estamos vivendo é a seguinte: eu não posso aumentar o número de navios para atender o mercado, a demanda que já existe, porque eu não tenho berço de atracação. E eu não posso aumentar o tamanho do navio para carregar essa carga que é demandada, porque não tem profundidade”, explicou o diretor do Centronave.
Enquanto isso, o porto é cada vez mais demandado e vem batendo recordes de movimentação. Mas, em relação ao total de carga conteinerizada do país, por exemplo, ele hoje tem uma participação menor do que tinha há dez anos. Em 2024, a corrente de comércio do país fechou em US$ 600 bilhões, a segunda maior da série histórica. Para este ano, a previsão do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) é que o valor feche em US$ 636,1 bilhões, um avanço de 6% em relação ao ano passado.
Concessão
Com a concessão do canal de acesso, o governo quer organizar num contrato de longo prazo a prestação de serviços essenciais para a operação do porto, incluindo os investimentos em dragagem. A estreia do modelo vai acontecer nos portos de Paranaguá e Antonina, no Paraná, que já teve aval do TCU (Tribunal de Contas da União) no final de abril. O edital, contudo, ainda não foi publicado. Além disso, a concessão do canal do porto de Itajaí (SC) também está em estudo.
Já em Santos, enquanto o projeto não sai do papel, a APS (Autoridade Portuária de Santos) planeja para este ano obras de aprofundamento do canal para 16 metros. À Agência iNFRA, a APS afirmou que está finalizando a contratação de empresa que fará o derrocamento de 31 afloramentos rochosos no estuário. Segundo a companhia, esse é o primeiro passo para o aprofundamento do canal. A APS informou ainda que a concorrência está na fase de verificação da regularidade da documentação da empresa que ganhou a licitação.
Com relação à concessão do canal de navegação, a APS respondeu que tem acompanhado, “mas é uma competência do Ministério de Portos, pelo que é ele é quem poderá responder com dados atualizados”.
Assoreamento
A dificuldade na dragagem também é um ponto que preocupa as empresas de navegação. Uma redução abrupta do calado no canal de acesso pode acontecer porque a profundidade não é regular, condição gerada pelo assoreamento natural do canal do porto de Santos.
No canal de Santos, por exemplo, a descida de sedimentos demanda um serviço de dragagem constante. Em alguns pontos, caso não seja feita a manutenção, perde-se profundidade. Mesmo que isso aconteça apenas em uma localização, a redução do calado precisa ser considerada para todo o canal, o que impacta diretamente as atividades no porto.
“Isso aconteceu em 2016. Numa sexta-feira à noite, a autoridade marítima diminuiu o calado em praticamente 1 metro. E foi um problema. Tinha navio que estava pronto para sair, e não pôde, teve que descarregar parte da carga. Foi um problema enorme para os exportadores. E teve navios que precisaram desviar para outros portos”, recordou Loureiro.
Tecon 10
Os armadores apontam ainda a necessidade de o canal de acesso ao porto já estar maior quando o Tecon Santos 10 entrar em operação. O megaterminal planejado para o porto vai aumentar a capacidade de movimentação de contêineres em Santos em até 50% quando estiver em plena operação. A previsão do governo é de que o leilão do Tecon 10 ocorra ainda neste ano, após envio do projeto ao TCU na semana passada. Mas o início de operação do terminal é previsto para três anos após a assinatura do contrato.
A demora na licitação do megaterminal, estudado desde 2019, também é alvo de reclamação das empresas que operam em Santos. O atraso tem limitado a atividade de contêineres no porto e atrapalhado o plano de negócio das companhias.
“Será um terminal moderno, provavelmente com equipamentos elétricos, que poderá receber navios grandes. Mas, na situação de hoje, eu não conseguiria receber esses navios”, pontuou Loureiro sobre a relação da necessidade de aumento do calado em Santos com a movimentação esperada para o Tecon 10.
Na visão do diretor-executivo do Centronave, há uma “insensibilidade” das autoridades em relação à urgência das obras que ampliem a capacidade de Santos. “Parece que isso virou normal, não é? Normalizou-se o atraso, normalizou-se a falta de calado. Todo mundo se conforma com uma operação de qualidade inferior”, criticou.
O MPor (Ministério de Portos e Aeroportos) também foi procurado pela Agência iNFRA, mas não retornou até o fechamento desta edição.
(Agência iNFRA)