Por trás da atratividade das compras online e da logística eficiente, há uma engrenagem complexa que depende fortemente da malha rodoviária nacional e dos custos associados ao transporte de mercadorias.
Nesse contexto, ganha especial relevância o sistema de pedágio eletrônico conhecido como free flow, recentemente implementado em diversas rodovias brasileiras. Trata-se de um modelo inovador de cobrança, que dispensa as tradicionais praças de pedágio e permite a tarifação automática dos veículos em movimento, com base na leitura das placas por meio de sensores e câmeras.
Regulamentado pela Lei Federal nº 14.157/2021, o sistema busca promover a fluidez do tráfego e a proporcionalidade na cobrança de tarifas, calculadas conforme o trecho efetivamente percorrido.
A proposta, em tese, representa um avanço tecnológico relevante e benéfico, especialmente para o setor logístico e o transporte de cargas.
Contudo, a forma como o free flow vem sendo operado por algumas concessionárias tem levantado sérias controvérsias, sobretudo no que se refere à cobrança dirigida aos motoristas que não utilizam dispositivos automáticos de pagamento, como a conhecida “tag” do tipo Sem Parar ou similares.
Antes da implementação do novo modelo, o pagamento do pedágio era realizado de forma física, nas praças de cobrança. O usuário recebia o valor a pagar de forma clara, fosse por sinalização ou por cobrança direta no momento da passagem.
Com o advento do free flow, tal sistemática foi mantida, não havendo alteração relevante para os condutores que utilizam tags: continuam tendo o débito realizado automaticamente, sem qualquer intervenção.
O problema surgiu, todavia, para os usuários sem tag: em muitos casos, as concessionárias têm exigido que o motorista acesse o site da empresa para verificar e pagar os valores devidos, sem que haja qualquer notificação ou emissão de fatura. Tanto a Lei nº 14.157/21, quanto a Resolução CONTRAN nº 1.013/2024, preveem o dever de busca ativa por parte do usuário.
Essa prática, que se tornou comum, é juridicamente questionável. A imposição de que o usuário busque ativamente as informações de cobrança, sem que lhe seja enviada qualquer comunicação oficial, parece representar um ônus desproporcional.
No caso das empresas que atuam na cadeia de fornecimento e logística – especialmente transportadoras e operadores logísticos – o impacto da nova sistemática de cobrança é ainda maior. Um transporte que cruze várias rodovias sob diferentes concessões pode resultar em múltiplos pedágios a serem pagos separadamente, sem aviso, e com risco de multas se não forem quitados em tempo hábil.
Diante disso, algumas medidas se tornam essenciais para resguardar juridicamente as empresas e mitigar riscos financeiros e operacionais. Em primeiro lugar, é recomendável que as rotas de transporte sejam previamente monitoradas, identificando se envolvem trechos com o sistema free flow. Em segundo, as empresas devem considerar o cadastramento de suas frotas junto às concessionárias, quando possível, a fim de facilitar o controle dos débitos.
Outra medida prudente é a adoção de tags de cobrança automática para veículos que realizam entregas frequentes, o que reduz a possibilidade de inadimplemento por desconhecimento da cobrança. Além disso, é fundamental manter registros e comprovantes de todas as despesas com pedágios, para fins de auditoria interna, prestação de contas e eventuais disputas judiciais.
No campo contratual, recomenda-se revisar cláusulas com transportadoras e operadores logísticos, prevendo responsabilidades em caso de omissão na quitação de tarifas free flow e consequências decorrentes de cobranças indevidas ou penalidades.
Embora a Resolução CONTRAN nº 1.013/2024 reconheça múltiplos “canais de recebimento” (como aplicativos, WhatsApp, totens físicos e sites), não dispensa as concessionárias do dever de informar e notificar os usuários sobre os valores devidos. As concessionárias, portanto, precisam enviar faturas de cobrança a usuários sem tag, seja por meio físico ou digital.
Aliás, o Judiciário já tem se posicionado sobre o tema. Em janeiro de 2025, no processo nº 1001210-28.2024.8.26.0067, o Juizado Especial Cível de Borborema/SP julgou procedente o pedido de um motorista que requereu a obrigação de a concessionária emitir e enviar faturas de cobrança por e-mail ou correio sempre que seu veículo utilizasse o sistema free flow. O Juízo reconheceu que a exigência de acesso ao site, sem comunicação prévia, violava o princípio da razoabilidade e impunha um ônus excessivo ao usuário.
Em conclusão, tem-se que o free flow é uma inovação importante no setor rodoviário, mas que exige condutas mais responsáveis por parte das concessionárias.
Nesse sentido, as empresas que atuam na cadeia logística devem redobrar a atenção a esse novo modelo de cobrança, adotando práticas preventivas, fortalecendo seus controles internos e garantindo o cumprimento das obrigações legais.
(Mundo Logística)