STF PROÍBE PROCESSO POR CRIME CONTRA O INSS ANTES DE DECISÃO FINAL DO CARF

O Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a abertura de processo por crime previdenciário antes que se tenha uma decisão definitiva do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) confirmando a existência da dívida. Essa decisão acalmou o mercado. Resultado em sentido contrário, dizem especialistas, poderia provocar um aumento de ações penais contra empresários.

Esses processos poderiam servir, além disso, como instrumento de pressão para que os contribuintes pagassem os valores cobrados pelo Fisco sem antes se defender por meio do processo administrativo. É que, pela lei brasileira, o pagamento extingue a punibilidade.

O ministro Luiz Fux, presidente da Corte, tratou dessa questão: “É evidente que uma pessoa de bem, diante da iminência de ser processada criminalmente, corre, paga e vai discutir depois a repetição do indébito para receber não se sabe quando através de precatório”.

Fux acompanhou o entendimento do relator do caso, o ministro Nunes Marques. Dos nove que participaram da votação, só Alexandre de Moraes se posicionou de forma divergente. Dias Toffoli não estava presente e Luís Roberto Barroso se deu por impedido.

Esse tema foi analisado por meio de uma ação movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que pedia a declaração de inconstitucionalidade do artigo 83 da Lei nº 9.430, de 1996 — alterada pela Lei nº 12.350, de 2010 (ADI 4980). Consta nesse dispositivo que a abertura de ações por crime contra a Previdência Social só pode ocorrer depois do esgotamento do processo administrativo fiscal.

A lei de 2010 nasceu de uma Medida Provisória, a nº 497. A PGR contestava o fato de o tema ter sido tratado por MP. Argumentava, além disso, que a regra dificulta a persecução criminal e incentiva a prática de atos criminosos. Para o órgão, ainda, crimes previdenciários têm natureza formal e, por esse motivo, nesses casos não seria necessário esperar por uma decisão definitiva do Carf.

O ministro Alexandre de Moraes votou pela constitucionalidade da norma — assim como os demais ministros —, mas concordou com a PGR em relação à natureza desses crimes, sobretudo o de apropriação indébita previdenciária. Ele também criticou a forma como a sonegação é tratada na legislação.

“O Brasil aposta no mau pagador. Há uma evolução histórica, a partir de 1945, em que o pagamento do tributo na primeira instância administrativa extinguiria a punibilidade. Depois, se pagasse antes do recebimento da denúncia e agora a qualquer tempo extingue a punibilidade. Essa alteração [lei de 2010] é mais um avanço nesse sentido de não se combater a sonegação. Uma péssima opção legislativa, mas não poderia, ao meu ver, ser declarada inconstitucional ou totalmente inconstitucional”, disse.

Prevaleceu, porém, o entendimento do relator. O ministro Nunes Marques não viu problemas na lei de 2010 e, em relação ao mérito, citou a jurisprudência da Corte. Consta na Súmula 24 que não há crime contra a ordem tributária antes do lançamento definitivo do tributo. Crimes previdenciários estão dentro desse conceito.

Nunes Marques frisou ainda que o processo criminal não fica prejudicado. A contagem de prescrição desses crimes, disse, se inicia somente na data de constituição do tributo, ou seja, com a decisão definitiva do tribunal administrativo. “Não se observa, assim, nenhum prejuízo.”

Análise

Para a advogada Angela Baeta Neves, que falou aos ministros na tribuna como representante do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), parte interessada no caso, o processo administrativo é fundamental para que o contribuinte tenha direito ao contraditório e também para que o Ministério Público tenha mais elementos e provas acerca da autoria e materialidade do crime fiscal.

A advogada chamou a atenção dos ministros, ainda, para a complexidade do sistema tributário brasileiro. “É muito frequente a existência de autuações fiscais para a cobrança de tributos e valores considerados devidos pelas autoridades fiscais que são discutidas em processos administrativos e podem resultar, sim, em decisões favoráveis aos contribuintes”, disse.

De acordo com advogada Nina Pencak, representante da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat), que também atuou como parte interessada, a decisão proferida ontem “encerra de uma vez por todas um inconformismo da PGR” em relação a esse tema. O inconformismo, diz, vem desde 1997, quando uma outra ação (ADI 1571) foi apresentada à Corte.

Essa ação mais antiga, já julgada improcedente, havia sido apresentada contra a redação original do artigo 83, que fazia menção a “crimes tributários” somente. A ADI 4980, julgada ontem, contestava a redação modificada em 2010, que faz referência aos crimes de natureza previdenciária.

(Valor Econômico)

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