Na última sessão do ano, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a União pode cobrar Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre remessas ao exterior para pagamento de serviços e assistência técnica. A decisão muda a jurisprudência sobre o tema. A Corte, desde 2012, tinha entendimento consolidado para liberar as empresas da tributação.
Os ministros concordaram com uma nova argumentação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) que leva em conta “letras miúdas” de tratados internacionais firmados pelo Brasil para evitar a bitributação.
Antes, nas decisões que liberavam as empresas do pagamento, eles entendiam pela aplicação automática do artigo 7º dos acordos internacionais dos quais o Brasil faz parte e que têm base na Convenção Modelo da OCDE. O dispositivo estabelece, como regra geral, que a tributação do lucro tem de ocorrer exclusivamente no país de origem da empresa.
A tese era a de que a renda proveniente dos serviços técnicos prestados no Brasil deveria ser considerada como lucro, e portanto, aplicando o artigo 7º, a tributação de tais valores só poderia se dar no exterior.
Esse tema tem grande impacto para as empresas. Entre janeiro e novembro de 2020 foram enviados US$ 44,2 bilhões para o pagamento de serviços no exterior, segundo dados do Banco Central. Em 2019, por sua vez, o envio de recursos foi ainda maior, atingindo US$ 69,3 bilhões ao longo de todo o ano. A alíquota cobrada sobre essas remessas é de 15%.
Boa parte dos processos que existem sobre a cobrança de Imposto de Renda nesses casos são preventivos. As empresas entraram com mandados de segurança, pedindo autorização da Justiça para não pagar o imposto, antes de ter qualquer discussão com a Receita Federal.
A PGFN vinha fazendo um trabalho forte junto aos ministros do STJ, para tentar emplacar a nova tese, desde o começo do ano. Na 2ª Turma a decisão foi unânime. A 1ª Turma, que também julga as questões de direito público na Corte, no entanto, continua decidindo de forma favorável ao contribuinte.
Com a divergência de decisões entre as duas, esse tema, a partir de agora, poderá ser levado para julgamento na Seção – que uniformizará o entendimento a ser adotado.
Os procuradores afirmam que o parágrafo 5º do artigo 7º dos acordos internacionais prevê tratamento diferenciado a determinados rendimentos que compõem o lucro das empresas, se assim estiver estabelecido em um outro trecho do tratado.
E, segundo a PGFN, a maioria dos acordos internacionais contém anexos (ou protocolos) esclarecendo que para “serviços técnicos” ou de “assistência técnica” aplica-se, por equiparação, o mesmo regime jurídico reservado aos “royalties”, que são tributados no país de origem.
Só cinco dos 32 acordos assinados pelo Brasil não têm esses protocolos. São os firmados com a Áustria, França, Finlândia, Japão e Suécia.
A leitura equivocada da maioria desses tratados, afirma o órgão, faz com que muitas empresas não recolham o imposto nem na origem, nem no destino.
O caso julgado pela 2ª Turma do STJ na última sessão de 2020 tratava de uma empresa com sede em São Paulo, a Engecorps Engenharia, que enviou valores para uma companhia com sede na Espanha como pagamento pela prestação de serviços de engenharia e assistência administrativa.
Na segunda instância, a empresa foi liberada da tributação. Os desembargadores consideraram que tais valores deveriam ser enquadrados como “lucros das empresas” e tributados “exclusivamente no exterior”, conforme estabelece o artigo 7º da convenção assinada entre Brasil e Espanha para evitar a dupla tributação, que consta no Decreto nº 76.975, de 1976, e tem base na Convenção Modelo da OCDE.
Os ministros do STJ, no entanto, entenderam que deveriam fazer uma análise mais aprofundada do texto, como defendia a PGFN.
Relator do caso, o ministro Mauro Campell Marques afirma, em seu voto, que os tratados podem vir acompanhados de protocolos que estabelecem a ampliação do conceito de royalties a qualquer espécie de pagamento recebido em razão de assistência técnica e de serviços técnicos.
“Cite-se o item 5 do Protocolo anexo à convenção sob exame”, ele diz, referindo-se ao acordo Brasil-Espanha. “Nesse contexto, a norma de incidência do modelo de tratado da OCDE será o artigo 12, que trata da tributação dos royalties, a permitir tributação pelo Brasil”, acrescenta.
Campbell Marques entende ainda que é preciso analisar, em cada caso, se o contribuinte está fazendo uso de “hibridismo”, ou seja, se a classificação dos rendimentos é idêntica no país da fonte e no da residência. “Poderá estar utilizando o tratado de forma abusiva”, diz.
A decisão foi unânime. Participaram do julgamento, além do relator, os ministros Assusete Magalhães, Francisco Falcão, Herman Benjamin e Og Fernandes. Eles determinaram a devolução do processo para o tribunal regional, para que os desembargadores avaliem se, no caso concreto, há pagamento de royalties e se os valores foram enquadrados da mesma forma nos dois países (REsp º 1759081).
“Foi uma grande virada porque o STJ não estava analisando essas manifestações. Desta vez, não só analisou de maneira minuciosa como acolheu a tese da Fazenda”, afirma a procuradora Mônica Lima, que atua no processo pela PGFN.
Ela diz que os estudos e a doutrina evoluíram ao longo dos anos. Em 2012, quando o STJ firmou entendimento pela tributação exclusivamente no exterior, frisa a procuradora, a discussão era outra.
Os ministros, naquela ocasião, afastaram a aplicação do Ato Declaratório Interpretativo nº 1, da Receita, publicado no ano 2000. O Fisco afirmava que as remessas teriam de ser enquadradas no artigo 21 do tratado. “Seriam rendimentos não expressamente mencionados”, pois o lucro era algo apurado somente no país de origem das empresas contratadas e não exatamente o que foi pago pelas empresas nacionais contratantes.
“O grande ponto da nova tese é a correta interpretação para os protocolos anexos. Precisamos saber exatamente qual é o objeto do contrato e como ele vai ser inserido nesse contexto de tratado”, diz Mônica Lima.
(Valor Econômico)