A uma semana do início da vigência da sobretaxa de 50% dos EUA sobre as mercadorias do Brasil, a logística de cargas entre os dois países está tumultuada. Exportadores que podem usar o transporte aéreo estão correndo para embarcar remessas antes de 1º de agosto, enquanto companhias cujas cargas não podem ir de avião pisam no freio, deixando terminais portuários lotados.
A corrida pelo transporte aéreo congestionou o Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo. Segundo Luigi Rosolen, diretor da operadora logística paulista West Cargo, a empresa tem encontrado plataformas congestionadas no terminal de cargas do maior aeroporto do país.
— Exportadores estão antecipando envios para fugir do tarifaço. Pelo modal aéreo, ainda tem tempo de chegar nos EUA antes do dia 1º. Mas as vagas disponíveis nos aviões estão sendo ocupadas rapidamente, e as cargas não conseguem escoar na velocidade normal — disse o executivo.
A concessionária GRU Airport informou que registrou ontem um “aumento expressivo” nos envios e pedidos de agendamento para despacho de cargas para os EUA — principalmente de calçados, frutas, cimento, automotivos e peças agrícolas.
Segundo a operadora, 20% das exportações que passam pelo terminal de cargas de Guarulhos vão para os EUA. Em nota, a GRU Airport informou que tem orientado seus clientes a “confirmar previamente a reserva de voo com a companhia aérea antes do envio dos carregamentos para aeroporto”, para evitar o acúmulo de cargas.
Rotas alternativas
Com Guarulhos congestionado, alguns clientes da West Cargo estão direcionando suas cargas para outros terminais, como o Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre (RS), e o Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio, disse Rosolen:
— Nos próximos dias, pela nossa experiência, poderá haver uma intensidade de envio maior do que a capacidade das aeronaves. Uma saída é tentar o embarque dessas cargas em outros aeroportos com menor demanda para cargas de exportação, que tenham capacidade ociosa.
Segundo a Fraport Brasil, concessionária do Salgado Filho, o terminal gaúcho registrou, nas últimas duas semanas, um aumento de 58% na demanda por exportações para os EUA. Em Campinas, a operadora do Aeroporto de Viracopos informou que, nesta semana, uma carga de 48 mil toneladas de peças de máquinas agrícolas para os EUA foi redirecionada do Porto de Santos para seu terminal de cargas.
“Seriam exportadas pelo modal marítimo, mas a empresa preferiu antecipar o envio e optou pelo modal aéreo”, afirmou o terminal, em nota.
No transporte marítimo, o efeito é o oposto. Como não dá mais tempo de os navios chegarem aos portos americanos antes de 1º de agosto, o movimento é de suspensão dos embarques.
— As empresas tiraram o pé. As cargas que estavam embarcadas avançaram, mas o resto ficou retido nos terminais portuários e retroportuários e nas indústrias — disse Dagnor Schneider, presidente da Federação das Empresas de Transporte de Carga e Logística de Santa Catarina (Fetrancesc) e do grupo Concórdia Empreendimentos.
Os armazéns portuários da Deep Logística, empresa do grupo Concórdia, estão cheios de cargas de madeira cujos envios foram suspensos. O material responde por 8% das exportações catarinenses aos EUA, segundo Schneider.
Embarques cancelados
No litoral capixaba, a Vports, que administra o Porto de Capuaba, em Vila Velha, informou que um navio de contêineres previsto para atracar na próxima semana teve a chegada suspensa pela queda na demanda por embarque de produtos. Conforme a Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres (Abratec), mais de 80% das ordens de embarque de café e carne para os EUA nesta semana e na próxima foram canceladas.
Segundo o presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas & Logística do Espírito Santo (Transcares), Luiz Alberto Teixeira, nas últimas semanas exportadores tentaram antecipar o transporte de algumas mercadorias já negociadas para exportação e salvá-las das tarifas. Ao mesmo tempo, alguns embarques estão sendo suspensos.
No Rio, alguns embarques também foram cancelados, segundo relatos do Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas e Logística do Rio (Sindicarga RJ). O mesmo cenário é sentido no Paraná.
— Temos notícias de exportadores que anteciparam o envio de mercadorias que aconteceria só em agosto, e de indústrias que suspenderam a produção porque não sabem o que vai acontecer — disse Silvio Kasnodzei, presidente do Sindicato das Empresas do Transporte de Cargas do Estado do Paraná (Setcepar).
Segundo Fausto Varela, presidente do Sindicato da Indústria do Ferro no Estado de Minas Gerais (Sindifer), os embarques de ferro-gusa, matéria-prima para produção de aço e ferro fundido, foram suspensos nesta semana. Além de temer a paralisação das usinas, com risco de demissões de trabalhadores, o setor tem receio de que os importadores substituam fornecedores brasileiros por outros de maneira definitiva.
— As exportações de ferro-gusa de Minas Gerais somaram US$ 1,2 bilhão de dólares em 2024. Tudo estava caminhando para esse número se repetir neste ano, mas estamos apreensivos com as tarifas — afirmou.
Tales Machado, presidente da Associação Brasileira de Rochas Naturais (Centrorochas), informou que cerca de 1,2 mil contêineres, uma carga de US$ 40 milhões, deixaram de embarcar rumo aos EUA.
— Houve suspensão de embarque, mas não cancelamento de compra. Os clientes não querem a liberação das mercadorias para outros mercados, por isso estamos com esperanças de que o governo lá prorrogue a entrada em vigor da sobretaxa — afirma.
Em 2024, 56% das exportações de rochas naturais do Brasil foram direcionadas aos EUA. Machado acrescentou que entidades do setor nos EUA estão apoiando os exportadores brasileiros. O Natural Stone Institute (NSI) e a National Association of Home Builders (NAHB) já iniciaram atividades de lobby para sensibilizar o governo Trump em relação ao tarifaço.
(O Globo)