A nova súmula do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) que possibilita a revisão aduaneira independentemente do canal de parametrização suscita importantes debates sobre a relação entre fiscalização e os direitos dos contribuintes no comércio exterior brasileiro.
Para compreender o impacto dessa súmula, é preciso analisar os aspectos legais e jurisprudenciais que regulam a atuação da fiscalização, visando à proteção dos contribuintes contra potenciais excessos ou equívocos durante o processo de revisão.
Interpretação da súmula e revisão aduaneira
A súmula aprovada recentemente pelo CARF estabelece que o desembaraço aduaneiro não representa uma homologação do lançamento tributário, reafirmando a legitimidade da revisão aduaneira prevista no art. 54 do Decreto-Lei nº 37/1966. Assim, a revisão aduaneira, por não configurar mudança de critério jurídico, não seria vedada pelo art. 146 do Código Tributário Nacional (CTN), independentemente da parametrização da mercadoria (canal verde, amarelo, vermelho ou cinza).
Tese e contextualização jurídica
A tese principal da súmula gira em torno da flexibilidade da autoridade aduaneira para revisar operações pós-despacho, mesmo que inicialmente submetidas a um canal de conferência menos rigoroso, como o verde. Isso busca garantir que operações complexas sejam corretamente analisadas, considerando a limitação temporal e a complexidade inerentes a cada despacho.
No entanto, tal abordagem pode trazer insegurança jurídica ao contribuinte, pois, se por um lado a revisão aduaneira é um instrumento essencial para corrigir eventuais omissões ou irregularidades, por outro, ela não deve ser um mecanismo para penalizar o importador por atos previamente fiscalizados e liberados pela autoridade aduaneira.
Precedentes e argumentos jurisprudenciais
Os acórdãos referenciados na súmula (9303-014.439, 9303-014.438, 9303-013.346, e 9303-006.839) refletem diferentes posições e votações no âmbito do CARF, algumas das quais divergem sobre a amplitude da revisão aduaneira.
A ausência de consenso entre os conselheiros ressalta a dificuldade de consolidar um entendimento uniforme sobre o tema, evidenciando que a prática da revisão aduaneira tem nuances e particularidades de cada caso concreto.
Em decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), destaca-se que a revisão aduaneira é permitida, porém, deve observar limites temporais (prazo decadencial de cinco anos para revisão de lançamento tributário) e a razoabilidade de sua aplicação, evitando arbitrariedades e respeitando os princípios da segurança jurídica e da boa-fé.
Por exemplo, o Recurso Especial nº 1.200.492/PR aborda a legitimidade da revisão aduaneira, porém, reforça a necessidade de comprovação de motivos concretos para sua realização, e não como mera formalidade ou para justificar cobranças arbitrárias. Além disso, o STJ consolidou entendimento de que a mudança de critério jurídico para revisão é vedada quando há decisão administrativa final favorável ao contribuinte (Resp 1.115.501/PR).
Limites à revisão aduaneira e defesa do contribuinte
O tema dos limites da revisão aduaneira requer atenção para garantir que o exercício da fiscalização não resulte em abusos que prejudiquem o contribuinte, sobretudo quando a operação foi parametrizada para canais de menor rigor (como o verde).
A atuação fiscal deve ser norteada pelos princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, e a revisão não pode ser usada como uma segunda oportunidade para reanálise de questões já avaliadas durante o despacho aduaneiro.
A prática de revisar operações aduaneiras deve respeitar o princípio da estabilidade das relações jurídicas, que busca garantir ao importador uma segurança razoável sobre a regularidade de sua operação após o desembaraço. A revisão aduaneira deve ser uma exceção, e não a regra, sendo aplicável somente em situações em que haja indícios claros de irregularidades.
Doutrina e teses de defesa do contribuinte
- Princípio da razoabilidade e proporcionalidade: a fiscalização deve se pautar pelo critério da razoabilidade, respeitando o tempo decorrido e a confiança legítima do importador na decisão de liberação aduaneira.
- Garantia do contraditório e da ampla defesa: em qualquer procedimento de revisão, o contribuinte tem direito ao contraditório e à ampla defesa, podendo questionar a legalidade da revisão e as eventuais exigências fiscais dela decorrentes.
- Vedação à duplicidade de fiscalização: se a operação foi analisada e fiscalizada no despacho inicial, não pode ser alvo de nova revisão com o mesmo enfoque, a não ser que surjam novos elementos que justifiquem tal medida.
Conclusão e recomendações práticas
A aprovação da súmula pelo CARF representa uma tentativa de uniformizar a interpretação sobre a revisão aduaneira, mas deve ser aplicada com cautela para não prejudicar indevidamente os importadores. Para fortalecer a defesa do contribuinte, é recomendável:
- Monitorar prazos e documentação: garantir que todos os documentos estejam em ordem e sejam arquivados para possível apresentação em uma revisão.
- Precedentes e teses favoráveis: apoiar-se em precedentes judiciais e administrativos que garantam a razoabilidade da atuação fiscal.
- Questionar revisões arbitrárias: ao ser alvo de uma revisão aduaneira, é essencial verificar se há fundamento jurídico adequado para tal, e, em caso de abuso ou excesso, recorrer aos meios judiciais e administrativos para proteger seus direitos.
O tema é complexo e em constante evolução, sendo crucial para os operadores do comércio exterior estarem atentos às mudanças legislativas, às práticas do CARF, e à jurisprudência dos tribunais superiores, a fim de assegurar uma atuação fiscal justa e conforme os princípios tributários.
Assessoria de Comunicação