Brasil perde bilhões com portos saturados e navios defasados

O Brasil vem deixando de movimentar bilhões de dólares todos os anos em razão de um problema crônico: saturados, os portos nacionais não conseguem atender a demanda de mercadorias por problemas de infraestrutura, como modestos terminais de carga e a baixa profundidade dos canais, que impede o recebimento dos maiores navios do mundo e obriga o país a utilizar embarcações com cinco gerações de atraso.

O que aconteceu
São três as principais cargas movimentadas nos portos. Granéis sólidos (minérios e agrícola), líquidos (petróleo e derivados) e contêineres, usado para transportar produtos como eletrônicos, máquinas, veículos e roupas. Embora todas enfrentem problemas, a de contêineres beira o colapso.

Os navios brasileiros estão cinco gerações defasados. A capacidade deles é medida em TEU, que são os 6,1 metros de espaço de um contêiner com capacidade para 16 toneladas. Acontece que os canais dos portos brasileiros têm calado raso, e por isso não podem receber os maiores navios do mundo, com capacidade para 24 mil TEUs. No Brasil, os maiores carregam entre 10,5 mil a 13 mil TEUs, diz o Centro Nacional de Navegação Transatlântica (CentroNave). Só no ano passado um navio de 366 metros, de 14,4 mil TEUs, atracou por aqui.

Nenhum porto brasileiro consegue receber o gigante de 366 metros. Dos 17 portos com operação de contêiner, seis recebem a embarcação, mas com carga reduzida, já que nenhum deles tem calado mínimo de 16 metros, a profundidade necessária para que esse tipo de navio opere com o máximo de contêineres.

Embarcação de 11,5 mil TEUs navega com 18 mil toneladas a menos em porto com calado de 14,5 metros. É o caso de Santos, que recebe 1 milhão de toneladas a menos por ano.

Portos brasileiros no limite
Além do desembarque de navios menores, a capacidade dos portos está no limite. A previsão é que a demanda supere a capacidade operacional em 2028, quando, na média nacional, a demanda for de 15,2 milhões de TEUs e a capacidade operacional de 15,1 mi de TEUs, prevê a CentroNave.

O caos começa em 2037, quando a demanda também vai superar a capacidade instalada. Em 2047, a demanda de 42 mi de TEUs será quase o dobro da instalada (23,9).

No porto de Santos, o mais importante do Brasil, a capacidade operacional foi superada na pandemia. No ano que vem, a demanda também vai superar a capacidade instalada (5,5).

Os portos brasileiros estão defasados. “Há um descompasso entre o crescimento da demanda por logística eficiente e a capacidade de resposta da infraestrutura portuária brasileira”, diz o presidente do Conselho Federal de Engenharia (CFE), Vinicius Marinelli. “Isso nos coloca em desvantagem competitiva.”

Atrasos e cancelamentos
Essa superlotação reflete na ocupação dos “berços” portuários. O preenchimento das áreas onde os navios atracam ultrapassou a recomendação da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), de 65%, em nove dos 13 principais terminais de carga do país. “Em 2024, os navios demoraram 50 horas, em média, para entrar pelo canal de Santos e atracar. É uma tragédia, já estamos colapsados”, diz Souza, da CentroNave.

Em Santos, o governo Lula quer dobrar a capacidade dos terminais de contêiner. A aposta é no leilão do Terminal STS-10, em novembro, quando uma concessão permitirá a construção em uma área 621,9 m² e 1,3 km de cais. “Vamos fazer a dragagem, a concessão do canal de dragagem, mais R$ 5 bilhões de investimentos em 30 anos”, afirmou o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, em maio à EBC. Haverá “aumento em 50% da capacidade na movimentação de TEUs”, diz a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) ao UOL.

De 2013 a 2022, foram realizados 41 leilões portuários e investimentos de R$ 6 bi. “Nos quatro anos do nosso governo, vamos realizar o equivalente a 60 leilões, um investimento de mais de R$ 30 bi”, disse o ministro. A Antaq diz que “estão previstos 20 arrendamentos [nos portos] para 2025 e 17 em 2026”.

A agência diz auxiliar na formulação e concessão de alguns canais. “A Antaq auxilia na formulação da concessão do canal de acesso aos portos de Paranaguá (PR) e Santos (SP), o que permitirá o aprofundamento da infraestrutura e o recebimento de navios maiores.” A agência também fiscaliza contratos de dragagem e de manutenção do calado dos canais de acessos.

Estão em andamento projetos que aumentam a capacidade dos terminais. Com isso, será possível acompanhar o aumento do volume de movimentação nos portos.Antaq, em nota

Terminais agrícolas
A capacidade dos terminais agrícolas nos portos também saturou. Eles estavam com 91% da capacidade para exportação em uso em 2024, acima do limite de segurança estimado em 85%, segundo a consultoria de infraestrutura Macroinfra. Em 2028, a capacidade instalada (cerca de 234 milhões de toneladas) será insuficiente para absorver a demanda de exportação, que chegará a 238,9 milhões.

O porto de Santos deve ganhar um respiro. O terminal para granéis vegetais (STS-11) foi arrematado por uma empresa chinesa em 2022. A Cofco pretende construir um terminal para aumentar a capacidade de 4,5 milhões para 14 milhões de toneladas por ano.

Com os terminais lotados, o tempo de espera para atracar também é longo. No porto de Santos, o tempo médio de carregamento agrícola passou de 10,5 dias, em fevereiro de 2024, para 17,5 dias no mesmo mês de 2025. Em Paranaguá (PR), esse tempo foi de 8,6 para 12,5 dias. “Tempo de espera que custa dinheiro”, diz Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, que lembra de outro problema crônico para o agronegócio: o escoamento da produção por rodovias.

Todo ano a agricultura perde 10% da safra da fazenda até os portos, diz a Companhia Nacional de Abastecimento. Esse percentual causou um prejuízo de R$ 56 bilhões só em 2022. Cerca de 54% da produção é escoada por caminhões, contra 45% em 2010, segundo o Grupo de Pesquisa em Logística da Escola Superior de Agricultura.

Essa dependência do modo rodoviário “é grave”. “Só 14% da malha rodoviária brasileira é pavimentada, e 67% é considerada péssima ou ruim. É caótico”, diz Quintella. “Tudo isso cria um custo logístico que pode chegar a até 15% do PIB.”

Só no ano passado o governo federal igualou investimentos em infraestrutura de transporte. Foram R$ 24 bi em 2024, o equivalente a 2% do PIB, como na média chinesa e americana. Em 2022, esse valor não passou de R$ 8 bi (0,6% do PIB).

Falta ferrovia e hidrovia para minérios
A exportação de minérios também enfrenta gargalos. Faltam estradas de ferro e hidrovias para escoar essa produção, os principais modais para esse tipo de comodity. “O Brasil tem 30 mil km de ferrovias, mas só 10 mil estão em operação”, diz o professor da FGV Transportes. “E as hidrovias são pouco exploradas.”

Especialistas esperam que as ferrovias em construção reduzam esse gargalo. São elas:

  • Ferrogrão: Ela promete substituir os caminhões da BR-163 ao ligar Sinop, em Mato Grosso, a um porto em Miritituba (PA). Da cidade paraense, a carga seguiria de navio para Ásia, África e Europa.
  • Ferrovia Norte-Sul: Em funcionamento, interliga as principais malhas ferroviárias das cinco regiões do Brasil, possibilitando a conexão entre as linhas que dão acesso aos principais portos e regiões produtoras.
  • Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste no Estado da Bahia): Prevista para entrar em operação em 2026, ligará Ilhéus, na Bahia, a Figueirópolis, no Tocantins, onde fará conexão com a Ferrovia Norte-Sul, dando acesso ao Centro-Oeste pela Fico (Ferrovia De Integração Centro-Oeste).
  • Fico: Vai levar a produção agrícola do Centro-Oeste à Norte-Sul, permitindo o escoamento até o Maranhão –pela conexão com a Estrada de Ferro Carajás– e Santos, pela Rumo Malha Paulista. Também poderá escoar por Ilhéus (BA) pela conexão com a Fiol a partir da Norte-Sul, na altura de Goiás. A malha atingiu 32% de sua execução no começo de 2025.
  • Ferronorte (Rumo): Ela já liga o Centro-Oeste ao porto de Santos pela Rumo, que também conecta ao Norte e Nordeste pela Norte-Sul. Com trechos inaugurados em 1998 e 2012, tem extensões adicionais em fase de construção e de estudo.

O governo Lula diz investir R$ 4 bilhões em logística para transportar por hidrovias. A principal aposta é a polêmica construção da hidrovia do Rio Paraguai, que corta o Pantanal. Em dezembro do ano passado, o governo aprovou o investimento em 400 balsas e 15 empurradores pra aumentar em 6 milhões de toneladas o escoamento de minérios de ferro e manganês na região.

O Brasil tem 12 mil km de hidrovias navegáveis, com potencial de 42 mil. “Um projeto como esse significa o fortalecimento dessa agenda hidroviária”, afirmou em novembro o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho.

O problema é que “essas novas ferrovias demoram para ficarem prontas”. A Norte-Sul levou 40 anos para chegar onde está. A Fico e Fiol estão longe de serem concluídas”, diz Quintella. “Se não mantém rodovias, como vai construir ferrovias?”

China investe em superporto no Peru
Enquanto o Brasil patina em infraestrutura, a China investe no Peru. Com 60% de verba chinesa, foi construído em apenas quatro anos a primeira parte do porto de Chancay, que pretende ser o mais importante da América do Sul.

Com um calado de 18 metros, poderá receber os maiores navios do mundo ainda este ano. O porto é equipado com IA chinesa e veículos autônomos circulam entre antenas de 5G espalhados por ele.

A China quer que o Brasil também use Chancay. Para isso, estuda bancar a ferrovia “bioceânica”, que conectaria o Rio de Janeiro à costa peruana. Se isso ocorrer, Chancay vai reduzir de até 60 para 23 dias as viagens do Brasil para a Ásia.

Em maio, membros do governo trataram do assunto. “Toda a carga produzida na área central do país seria escoada por essa infraestrutura ferroviária, até chegar ao porto de Chancay”, afirmou o secretário Nacional de Transporte Ferroviário, Leonardo Ribeiro à CartaCapital.

Com infraestrutura moderna e eficiência logística, Chancay pode se tornar uma alternativa para rotas asiáticas, especialmente se nossas estruturas não acompanharem os avanços exigidos pelo mercado global.Vinicius Marinelli, do CFE.

(UOL)

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