Dois importadores conseguiram uma importante decisão na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). A diretoria colegiada do órgão referendou uma medida cautelar que suspendeu a cobrança de uma espécie de indenização pela demora na devolução de contêineres (sobre-estadia) em razão da última greve na Receita Federal.
É a primeira vez na história, segundo especialistas, que a Antaq concede uma medida cautelar sobre o assunto. Até a mais recente greve na Receita, que durou entre novembro de 2024 e junho deste ano, o entendimento do órgão regulador era diferente: a cobrança por atraso na devolução de contêiner era considerada “parte do risco do negócio”.
A situação começou a mudar em agosto, com a publicação do Acórdão nº 521/2025, proferido pela diretoria colegiada. Na decisão, os integrantes afirmam que “eventos de caso fortuito ou força maior iniciados e/ou ocorridos no período de livre estadia do contêiner suspendem o decurso do prazo do free time, não havendo que se falar em início de contagem de prazo de sobre-estadia”.
No caso, sem a devolução dos contêineres, passou a ser cobrada dos importadores a chamada demurrage — uma indenização pelo período adicional de uso dos equipamentos. As empresas receberam uma notificação extrajudicial relativa a débitos que somavam cerca de R$ 2,1 milhões.
Os importadores recorreram à Antaq, alegando que, durante a greve, não havia dias disponíveis para agendar a devolução dos contêineres e que a operação-padrão desencadeada pelos auditores fiscais poderia ser enquadrada como evento de força maior (processo nº 50300.016675/2025-21).
O caso foi relatado pela diretora Flávia Morais Lopes Takafashi. Na medida cautelar concedida por ela, e referendada pela diretoria colegiada, a Antaq acatou a argumentação dos importadores, afastando a cobrança da indenização. “Os eventos paredistas, caso entendidos como ocorrências de caso fortuito ou força maior, se deflagrados antes do início da contagem de sobre-estadia, interrompem a contagem da livre estadia, reduzindo ou até mesmo eliminando eventuais períodos passíveis de cobrança”, diz a diretora.
Carlos Ávila, sócio do Carneiros Advogados, que defende os importadores, destacou a importância do precedente. “Essas cobranças são absurdas. A Antaq percebeu que não dava para continuar assim. Nessa greve da Receita, o problema atingiu uma magnitude muito superior”, afirmou o advogado, destacando que a cobrança de demurrage pode ultrapassar o custo total de uma importação da China, que envolve muitos outros fatores, como o valor do transporte.
Ele acrescenta que a decisão “sinaliza um maior equilíbrio nas relações entre armadores, agentes de carga e importadores/exportadores, buscando evitar distorções que vinham gerando cobranças abusivas de dezenas de milhões de reais”. Segundo o escritório, há ao menos 30 casos sobre o assunto em tramitação na Antaq.
Para a advogada Carolina Silveira, a decisão fortalece o entendimento já consolidado no Acórdão nº 521/2025 da própria Antaq, publicado em agosto. “A agência constatou que o importador foi impedido de devolver o contêiner dentro do prazo de livre estadia em virtude da superlotação dos terminais portuários, situação provocada pela greve da Receita Federal. Assim, não se pode imputar ao importador a responsabilidade por fato que não lhe é atribuível”, afirmou.
Embora a decisão da Antaq possa ser contestada no Judiciário, magistrados também vêm reconhecendo esse entendimento, segundo Carolina. Em um caso que ela defende, a estratégia foi responsabilizar a Antaq e o Terminal de Contêineres (Tecon) de Salvador pelo pagamento da sobre-estadia. A sentença foi proferida pelo juiz Carlos D’Ávila Teixeira, da 13ª Vara Federal Cível da Bahia, após recurso (embargos de declaração) apresentado pelo importador (processo nº 1009448-32.2025.4.01.3300).
No entendimento do magistrado, a empresa tem o direito de ser indenizada por atraso na retirada de mercadorias do contêiner — a chamada desova — e na entrega do equipamento ao responsável pela operação do navio, o armador. “À luz do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, que estabelece a responsabilidade objetiva do Estado e das entidades prestadoras de serviço público por danos causados por seus agentes, mostra-se juridicamente viável o reconhecimento da responsabilidade civil da Antaq e do Tecon pelos prejuízos causados à impetrante”, afirmou.
Na Antaq, estão sendo realizadas audiências conciliatórias sobre taxas de sobre-estadia de contêineres. Em setembro, o órgão evitou a cobrança indevida de um total de R$ 17 milhões. Foram realizadas 60 audiências, e as partes chegaram a acordo em 49 delas — o que representa uma efetividade de 81%. Os acordos cumprem decisão da agência, aprovada em agosto, que incentiva a harmonização de conflitos e a resolução rápida e efetiva para os agentes envolvidos nas cobranças.
(Valor Econômico)
