ANÁLISE: Consumo das famílias, exportações e agro puxam PIB; investimento e poupança decepcionam

A economia brasileira encerrou 2023 com um crescimento de 2,9%, perto dos 3% do ano anterior, puxada pelo consumo das famílias e pelo setor externo, pelo lado da demanda, e pela agropecuária, pelo lado da oferta. O investimento, por sua vez, teve queda.

Já os números do quarto trimestre mostraram um PIB estável em relação aos três meses anteriores. E, com a revisão para baixo do resultado do terceiro trimestre — de uma alta de 0,1% para zero nessa base de comparação —, o retrato é de uma economia estagnada na segunda metade do ano passado, refletindo o efeito defasado dos juros altos.

A composição do resultado dos três últimos meses de 2023 divergiu significativamente do esperado pelos analistas — o consumo das famílias recuou 0,2% em relação aos três meses anteriores, depois de nove altas seguidas, enquanto o investimento subiu 0,9%, após quatro recuos consecutivos.

Para comparar, o consenso dos analistas ouvidos pelo Valor apontava para alta de 0,3% da demanda das famílias e queda de 0,1% da formação bruta de capital fixo (FBCF, a medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação). A expectativa para o PIB total era de um avanço de 0,1%.

O consumo das famílias foi um dos grandes destaques de 2023, com crescimento de 3,1%. Com peso de 63,3% na economia pelo lado da demanda, o desempenho foi impulsionado por um mercado de trabalho forte e pelas elevadas transferências de renda, por meio do Bolsa Família. Para completar, houve forte desaceleração da inflação de alimentos, o que ajuda especialmente os mais pobres. O consumo do governo também contribuiu favoravelmente para o crescimento da economia, aumentando 1,7% em 2023.

O ponto mais preocupante do resultado do PIB do ano passado foi a nova queda do investimento. Em 2023, a formação bruta de capital fixo encolheu 3%. Os juros altos, que inibem processos de modernização ou expansão da capacidade produtiva, seguram o investimento. A Selic está em queda desde agosto do ano passado, mas segue elevada. Como a expectativa é de que a taxa siga em baixa, podendo atingir 9% ao ano — hoje está em 11,25% —, a expectativa é um pouco mais favorável para a FBCF, embora os analistas em geral projetem um desempenho ainda modesto para esse componente da demanda em 2024.

Nesse cenário, a taxa de investimento ficou em 16,5% do PIB no ano passado, abaixo dos 17,9% do PIB de 2021 e dos 17,8% do PIB de 2022. É um nível baixo, que limita o crescimento a taxas mais elevadas de modo sustentado. Para completar, a taxa de poupança, fundamental para financiar o investimento, também caiu, recuando para 15,4% do PIB, menos que os 17,1% do PIB de 2021 e dos 15,8% do PIB de 2022.

Para completar a análise pelo lado da demanda, o setor externo ajudou significativamente no crescimento. As exportações cresceram 9,1% em 2023, enquanto as importações recuaram 1,2%. Nas contas do diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, o setor externo contribuiu com 1,71 ponto percentual para a expansão da economia no ano passado.

Pelo lado da oferta, a agropecuária registrou um desempenho impressionante em 2023, com alta de 15,1%, num ano de safra recorde. O resultado forte se concentrou no primeiro trimestre, quando houve expansão de 20,9% em relação aos três meses anteriores.

Nos três trimestres seguintes, a agropecuária teve queda nessa base de comparação. Os serviços, que respondem por um pouco mais de dois terços pelo lado da oferta, cresceram 2,4% no ano passado, com destaque para os segmentos de atividades financeiras e atividades imobiliárias, que avançaram 6,6% e 3%.

Já a indústria teve mais uma vez um desempenho pouco animador, com alta de alta de 1,6% em 2023, puxada pelo crescimento forte de 8,7% da indústria extrativa. Já a indústria de transformação encolheu 1,3% e a construção civil caiu 0,5%, enquanto o segmento de eletricidade, gás água e esgoto cresceu 6,5%.

O desempenho da economia em 2023 foi bastante superior ao projetado pelos analistas no fim do ano anterior. No fim de 2022, o consenso de mercado apontava uma expansão de apenas 0,8%. Foi o terceiro ano seguido em que o resultado superou as estimativas dos economistas. O PIB, porém, ficou estagnado na segunda metade do ano.

A desaceleração da economia, num cenário de juros elevados, demorou mais do que se esperava, em boa parte por causa do impulso fiscal via transferências de renda. Além disso, a agropecuária teve uma expansão forte, o que se irradia para outros segmentos da economia, um fenômeno que os economistas ainda têm dificuldade para mensurar.

A perda de fôlego, porém, ocorreu com força no segundo semestre, ainda que o PIB tenha ficado estável. Com o mercado de trabalho forte, o Bolsa Família mais robusto e a inflação mais baixa, não houve uma percepção de piora significativa da economia. A questão agora é ver como a atividade vai reagir neste ano.

A queda dos juros pode dar algum impulso ao investimento, assim como a aprovação da reforma tributária, ainda que a implementação das mudanças não seja imediata. O consumo das famílias deve seguir o moto do crescimento e pode se beneficiar de uma retomada do crédito, num ambiente de taxas mais baixas, mas o impulso do mercado de trabalho e das transferências de renda não será o mesmo. A inflação de alimentos também não será tão benigna. Já as exportações devem ter outro ano favorável.

Pelo lado da oferta, a agropecuária não vai repetir o mesmo desempenho de 2023. Há quem projete queda ou estabilidade do segmento neste ano. A indústria tampouco parece caminhar para um desempenho exuberante, enquanto o setor de serviços deve ter um avanço razoável.

Nesse quadro, a expectativa para o crescimento em 2024 é de um número de 2% ou um pouco mais baixo. O ano passado deixou uma herança estatística fraca para este ano, de apenas 0,2%. Isso significa que, se a economia não crescer nada em relação ao nível do quarto trimestre, o PIB terá expansão de 0,2% em 2024.

Nos últimos três anos, os economistas subestimaram o crescimento, e as projeções têm sempre um grau elevado de incerteza. Mas, visto de hoje, parece improvável uma expansão na casa de 3%, como a registrada em 2022 e 2023.

(Valor Econômico)

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