A Lei Complementar nº 214/2023 – que regulamenta o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) – contém um dispositivo que, se não for corrigido antes de 2027, pode desencadear uma crise devastadora no setor aduaneiro e logístico.
Trata-se da responsabilidade solidária tributária objetiva, imposta a despachantes aduaneiros, armazéns alfandegados, operadores logísticos e demais intervenientes da cadeia do comércio exterior. Mesmo sem culpa, dolo, omissão ou qualquer ingerência no fato gerador, esses profissionais e empresas poderão ser responsabilizados integralmente pelos tributos de terceiros.
O que mudou – e por que é tão grave
A nova legislação elimina a exigência de conduta irregular para configurar a responsabilização solidária. Isso significa que, bastando estar vinculado à operação, o despachante ou operador logístico poderá ser autuado e cobrado como se fosse o próprio contribuinte principal.
Situações corriqueiras do dia a dia passaram a ser potenciais fontes de autuação, tais como:
- entrega da mercadoria a pessoa distinta do importador declarado;
- exportação realizada sem documentação correspondente;
- recebimento de mercadoria para exportação que não foi exportada;
- entrega de carga sem a autorização formal da Receita Federal.
Ou seja, mesmo que o profissional atue corretamente, poderá ser responsabilizado se o cliente cometer uma infração.
O caso Unilever no CARF e o que poderia ter acontecido
Em 2024, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) reverteu uma autuação milionária da Receita Federal contra a Unilever, em processo de interposição fraudulenta. Agora, imagine se a LC 214/2023 já estivesse em vigor: o despachante aduaneiro poderia ter sido responsabilizado por todo o IBS e CBS da operação, mesmo sem envolvimento na fraude.
Isso não é exagero; é o que o novo texto legal permite.
Assim como esse, existem centenas de casos semelhantes aguardando interpretação. O risco é real, sistêmico e impagável.
O contraponto jurídico: responsabilização sem prerrogativa
O despachante aduaneiro exerce função pública delegada, mas atua como profissional liberal da iniciativa privada. Não possui instrumentos de fiscalização, poder de polícia nem acesso a bases oficiais ou prerrogativas estatais.
A LC nº 214/2023, ao transferir a ele deveres de auditor fiscal, fere frontalmente o princípio da legalidade tributária (art. 150, I, da Constituição); a capacidade contributiva (art. 145, § 1º); a necessidade de conduta culposa ou dolosa para responsabilização solidária (CTN, art. 124 c/c art. 128); e o devido processo legal e a proporcionalidade.
O efeito colateral está anunciado
Se mantida a regra como está, os efeitos serão devastadores, incluindo a retração de profissionais e empresas no setor; o encerramento de operações logísticas com risco elevado; a elevação brutal do custo de compliance e contratação de seguros; a explosão do contencioso tributário e o travamento do comércio exterior por insegurança jurídica generalizada.
A promessa de simplificação pode virar caos regulatório.
O prazo é 2027, mas a luta começa agora
A entrada em vigor da nova sistemática está prevista para 2027. Mas não se trata de esperar para ver. Afinal, os atos infralegais e as regulamentações complementares estão sendo desenhados agora, e a jurisprudência começa a se formar a partir de já.
O SINDICOMIS NACIONAL e a ACTC estão mobilizados e propõem uma agenda clara:
- Atuação legislativa urgente, por meio de emendas que excluam ou condicionem a responsabilidade solidária à comprovação de culpa ou dolo.
- Mobilização institucional em bloco, com apoio de sindicatos, associações, conselhos profissionais e entidades representativas.
- Capacitação e orientação contratual preventiva, preparando os operadores para blindar seus processos e documentos jurídicos.
O alerta está feito e a reação não pode esperar
Mais do que um detalhe técnico, a responsabilização solidária automática é uma ameaça concreta à sobrevivência de despachantes, armazéns, agentes logísticos e transportadores.
Quem não enxergar isso correrá para se defender quando for tarde demais. O que está em risco não é apenas o equilíbrio fiscal da operação aduaneira: é o próprio futuro da prestação de serviços no comércio exterior brasileiro.
O SINDICOMIS NACIONAL e a ACTC estão em campo. Você também precisa estar.
Assessoria de Comunicação