Preocupado com o impacto da inflação no bolso das famílias com menor poder de compra, o governo estuda medidas para aumentar a oferta de itens essenciais da cesta básica. Uma das saídas em debate na área econômica é a redução das tarifas de importação e outros tributos.
— O Ministério da Economia está atento aos impactos da dinâmica inflacionária, sobretudo para as camadas mais pobres da população — disse ao GLOBO o secretário de Comércio Exterior, Lucas Ferraz.
Ele também falou sobre a proposta brasileira, em negociação com o Mercosul, de cortar em 10% as alíquotas usadas pelos sócios do bloco no comércio com terceiros mercados. O secretário enfatizou que o objetivo é dar continuidade ao processo gradual de reforma da Tarifa Externa Comum, (TEC). Mas admitiu que a queda pode ajudar a aliviar a pressão sobre a inflação.
— É fato que, qualquer processo de redução tarifária, ao tornar mais barato o acesso a bens e insumos internacionais, tende a impactar nos níveis de preços domésticos e, portanto, a aliviar a pressão sobre os mesmos.
Ferraz ressaltou que a questão inflacionária não afeta apenas a economia brasileira: é um problema global, fruto da forte recuperação da economia mundial no cenário pós pandemia, somado à desorganização das cadeias de produção nacionais e internacionais.
Afirmou que a redução de 10% da TEC foi acertada com o empresariado brasileiro. E lembrou o governo iniciou o processo de abertura econômica, com cerca de 1 mil linhas tarifárias de bens de capital e iinformática, em março deste ano.
— Esse corte foi amplamente dialogado com o setor privado e simboliza o compromisso do governo com uma abertura econômica gradual e previsível, em paralelo com outras reformas voltadas para a redução do custo Brasil — afirmou.
Reserva de mercado
Sobre as divergências com a Argentina — que teme problemas com as indústrias locais, causados pela concorrência com produtos importados como tarifas menores — Ferraz argumentou que, desde que foi criada, em 1995, a Tarifa Externa Comum do Mercosul nunca foi reformada, apesar do forte avanço da globalização nas últimas décadas.
Acrescentou que a TEC é, hoje, duas vezes maior que a média internacional e se tornou um fator de perda de produtividade para a economia brasileira.
Para Ferraz, o Mercosul se transformou em “um grande projeto de reserva de mercado”. Perguntado se o Mercosul sobreviveria sem a Argentina, ele respondeu:
— Entendo que a pergunta correta não é se o Mercosul sobreviveria sem a Argentina, mas se o Mercosul terá futuro sem uma ampla reforma que traga flexibilidade negociadora e tarifária aos sócios, com entrega de resultados concretos para nossas sociedades.
De acordo com o secretário, o Brasil representa cerca de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) do Mercosul — de longe, a maior economia do bloco. Mas salientou que isso não significa que o país não reconhece a importância da Argentina e do bloco em si, como ferramenta potencial de inserção internacional.
— Temos um Mercosul que acolhe a nossa falta de competitividade regional, com uma estrutura tarifária ainda baseada no modelo de substituição de importações da década de 50, e que pune os empresários que querem crescer e competir e escala global, além dos nossos consumidores, sobretudo os mais pobres. O fato de que nunca reformamos a TEC desde a sua criação, há 25 anos, não é casual e sinaliza claramente este ponto.
Para o consultor internacional, Welber Barral, a redução de 10% da TEC é buscada como um sinal de liberalização comercial. A expectativa é que a Argentina aceite essa queda tarifaria.
‘Comentário irrealista’
Barral criticou os comentários do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre os argentinos. Na última segunda-feira, por exemplo, Guedes sugeriu que a Argentina deixe o Mercosul, ao afirmar que “quem estiver incomodado que se retire”.
— O comentário é irrealista. A continuidade do bloco depende de negociações entre os principais parceiros, e o Brasil é obrigado a entender os problemas que a Argentina enfrenta, já que é nosso principal destino de exportação de manufaturados — afirmou.
José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), não concorda que a redução da TEC terá impacto na inflação, pois o custo de importação não depende apenas da alíquota aduaneira, mas de outros fatores, como taxa de câmbio, burocracia, insegurança jurídica e custos portuários.
— Porém, reduzir tarifa de importação, sem reduzir o Custo-Brasil, terá impacto negativo sobre a atração de novas empresas industriais e/ou sobre a permanência das já instaladas no Brasil, afetando a geração de empregos — disse Castro.
(Extra / O Globo)