No último dia 27 de maio, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou o julgamento de ação que discutia a constitucionalidade da Súmula 277 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio da qual se consolidou o entendimento de que as condições previstas em acordos ou convenções coletivas de trabalho (ACTs ou CCTs) se incorporavam contrato individual de trabalho até que nova norma coletiva fosse firmada, a chamada ultratividade das normas coletivas.
Por maioria de votos, o STF declarou inconstitucional a Súmula 277 do TST, bem como todas as interpretações e decisões judiciais no sentido de que o artigo 114, parágrafo segundo, da Constituição, autoriza a aplicação do princípio da ultratividade às disposições de ACTs ou CCTs.
Desde a publicação da Lei 13.467/17 (popularmente chamada de “reforma trabalhista”), que entrou em vigor em novembro de 2017, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) passou a dispor expressamente em seu artigo 614, parágrafo terceiro, que é vedada a ultratividade das normas coletivas, cuja duração não poderá ser superior a dois anos. Entretanto, mesmo com essa modificação legal, o TST manteve íntegra a redação da Súmula 277, inclusive com a aplicação do seu entendimento nos julgamentos realizados posteriormente à reforma, dependendo do período em discussão.
Essa postura do TST, de manter intacta a redação da Súmula 277, poderia levar à construção de entendimento diametralmente oposto: de que a nova redação do artigo 614, parágrafo terceiro, da CLT seria inconstitucional, haja vista que o teor da referida súmula é derivado da interpretação do artigo 114, parágrafo segundo, da CF, após a Emenda Constitucional 45/2004. Nessa esteira, o TST poderia passar a fundamentar eventuais decisões de reconhecimento da ultratividade de normas coletivas com base em uma interpretação de que o que passou a ser disposto na CLT viola a Constituição.
Por tais motivos, a decisão do STF tem importância ímpar para firmar de vez o entendimento de que não há ultratividade das disposições de acordos e convenções coletivas de trabalho, privilegiando os princípios da liberdade sindical, separação dos poderes, autonomia da vontade e, principalmente, da segurança jurídica.
As negociações coletivas consagram o princípio da liberdade sindical e refletem a vontade das partes para aquele momento de vigência da norma coletiva, tanto que a própria CF dispõe expressamente no rol de direitos dos trabalhadores o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.
O entendimento de que os direitos negociados, especificamente os mais benéficos aos empregados, incorporavam-se ao contrato de trabalho até que nova negociação coletiva viesse para suprimi-los servia como um desestimulo à negociação coletiva, pois trazia um certo conforto e até se prestava como uma forma de pressão por parte dos Sindicatos Profissionais de que, se a negociação não evoluísse, as condições da norma anterior continuariam sendo aplicáveis, mesmo que não guardassem sintonia com a nova realidade em que seriam aplicadas.
Enquanto aos trabalhadores eram assegurados todos os direitos previstos na norma coletiva não mais vigente até que a nova negociação fosse concluída, aos empregadores restava, muitas das vezes, passar meses, ou até anos tendo que arcar com o pagamento de valores que poderiam não mais fazer sentindo com a momento econômico, o que gerava um desequilíbrio na relação contratual, especialmente por se considerar que, em uma negociação coletiva em que os trabalhadores estão devidamente representados, ambas as partes possuem condições de paridade negocial.
À vista disso, o ministro Gilmar Mendes ressaltou em seu voto que a ultratividade das normas coletivas acaba por reduzir a viabilidade da negociação coletiva e aumentar a instauração de dissídios coletivos. Ou seja, ao invés de privilegiar a autonomia da vontade coletiva, as partes acabam tendo que buscar a Justiça do Trabalho para exercer o seu poder normativo. E os julgadores, por sua vez, apesar de baseados nas negociações anteriores e na pauta de reivindicações para decidir, podem acabar tomando decisões que não vão refletir integralmente a realidade daquela determinada categoria.
Assim, a decisão do STF, além de prezar pela correta interpretação da Constituição e garantir a observância dos princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, reconhece que a vontade das partes na negociação deve prevalecer também em relação ao período de vigência das disposições que foram objeto da norma coletiva, o que não significa um desamparo ao trabalhador, sopesando que, mesmo com o término da vigência do acordo ou convenção coletiva sem a renovação imediata, continuarão sendo garantidos aos trabalhadores todos os direitos previstos na legislação e na própria Constituição.
(https://www.conjur.com.br/2022-jul-22/minoru-okajima-stf-ultratividade-normas-coletivas)