Não-incidência do IR sobre pensão alimentícia: decisão do STF da ADI 5.422

Recente decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 5422 firmou entendimento, com efeito vinculante para todos os Poderes da República, inclusive para a Receita Federal, de que não incide imposto de renda sobre o recebimento da pensão alimentícia, nos termos do artigo 28, Parágrafo único da Lei 9.868/99. (ADI 5.422, relator (a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 06/06/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-166, DIVULG 22-08-2022 PUBLIC 23-08-2022).

A ação foi proposta pelo IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito de Família) e teve como objeto a declaração de inconstitucionalidade do artigo 3º, §1º, da Lei nº.7.713/1988 c/c artigos 5º e 54 do Decreto nº 3.000/1999, que impõe, em síntese, a incidência do imposto sobre o rendimento bruto dos valores recebidos a título de alimentos ou pensões, em cumprimento de decisão judicial, acordo homologado judicialmente ou em cartório extrajudicial (por meio de escritura pública declaratória).

O direito à alimentação foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 64 de 2010 como direito mínimo existencial, ao incluí-lo expressamente ao artigo 6º do Texto Constitucional, introduzindo a alimentação como um direito social, a pensão alimentícia ganhou maior valoração interpretativa, um novo e significativo “status” constitucional, agora com inequívoca vertente da injustiça social em se cobrar imposto sobre as verbas alimentares, que correspondem — segundo a decisão do STF — “afronta à dignidade do alimentário e penalização à parte hipossuficiente” [1].

Conforme consignado expressamente no voto-vista do ministro Roberto Barroso: “Os alimentos se destinam a assegurar a manutenção da dignidade da pessoa humana, com base na solidariedade, sendo considerados como direito social. O adimplemento da obrigação alimentar é tão caro à Constituição que seu descumprimento configura exceção à impossibilidade de prisão civil por dívida. (…) o direito aos alimentos protege o mínimo existencial e sua prestação será devida a pessoa que, incapaz de prover o seu próprio sustento, não encontra meios, ao menos imediatos, para atender às suas necessidades mais elementares;(…) diante disso, é incompatível com a Constituição considerar os alimentos como acréscimo patrimonial, uma vez que se destinam ao sustento e à subsistência do alimentando”. (ADI 5422, relator (a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 06/06/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-166 DIVULG 22-08-2022 PUBLIC 23-08-2022)

Pensão não pode ser considerada renda e muito menos acréscimo patrimonial, como previsto no Código Tributário Nacional (CTN). Renda, na definição do artigo 43 do CTN, é acréscimo patrimonial. Não é razoável entender-se como renda o ganho que não é suficiente sequer para o custeio das despesas absolutamente necessárias à sobrevivência do contribuinte e de seus dependentes, estando sob o mesmo teto ou não. É por este motivo, aliás, a razão pela qual o legislador previu as “deduções legais do IR”, sejam despesas com saúde, com escola e também com alimentos, porque a destinação desta verba é — justamente — a sobrevivência da pessoa, não o acréscimo patrimonial.

Nessa linha de raciocínio, de garantidor do mínimo existencial, o voto-vista do ministro Alexandre de Moraes na ADI 5422 “Dessa compreensão ainda resulta a exclusão, da base de cálculo do IRPF, das verbas de caráter indenizatório que se destinam a compensar gastos, como é o caso das diárias e ajudas de custo pagas ao trabalhador, uma vez que não constituem acréscimo patrimonial, em ordem a afastar a incidência do tributo descrito no artigo 153, III, da CF. Com apoio nessas mesmas razões, e tendo por base o princípio implícito de não obstância do exercício de direitos fundamentais por via da tributação, entendo que os valores recebidos a título de pensão alimentícia decorrente das obrigações familiares de seu provedor não podem integrar a renda tributável do alimentando, sob pena de violar-se a garantia ao mínimo existencial, constituindo verba necessária à manutenção de sua existência digna”.

Os efeitos da decisão proferida pelo STF já se irradiam pelas demais instâncias do Poder Judiciário. Recente sentença da juíza Diana Brunstein, da 7ª Vara Cível Federal de São Paulo, lavrada com base no que restou decidido na ADI 5.422, reconheceu “o direito dos autores à restituição dos valores indevidamente recolhidos a título de imposto de renda, observada a prescrição quinquenal disposta no artigo 168, I, do Código Tributário Nacional” para, ao final, “1) declarar a inexistência de relação jurídico-tributária entre autores e ré, no que tange ao recolhimento de Imposto de Renda incidente sobre alimentos recebidos do alimentante, nos termos do Voto proferido pelo ministro Dias Toffoli no bojo da ADI nº 5422 no STF e 2) condenar a União Federal à restituição dos montantes recolhidos indevidamente a tal título, respeitado o prazo prescricional quinquenal” (DJe 27.7.2022, processo nº 5036842-67.2021.4.03.6100).

Portanto, conforme redação dada pelo ministro Dias Toffoli, relator da ADI, os “alimentos ou pensão alimentícia oriundos do direito de família não se configuram como renda nem proventos de qualquer natureza do credor dos alimentos, mas montante retirado dos acréscimos patrimoniais recebidos pelo alimentante para ser dado ao alimentado”. “A percepção desses valores pelo alimentado não representa riqueza nova, estando fora, portanto, da hipótese de incidência do imposto.”

Em conclusão, se o fato gerador do imposto de renda é o aumento do patrimônio do contribuinte, entendeu o STF — em acórdão proferido em ação direta de inconstitucionalidade, com efeito vinculante para todos os Poderes da República (artigo 28, parágrafo único da Lei 9868/99) que não incide imposto de renda sobre a pensão alimentícia, que é verba de subsistência do alimentando destinada aos recursos básicos mínimos existenciais e não representa acréscimo patrimonial.

Do acórdão prolatado na ADI ainda cabe recurso de embargos de declaração, mas apenas para eventuais modulações dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, o que não afasta o direito de postular — neste momento — declarações judiciais incidentais de inexistência de relação jurídica tributária entre os alimentandos e a União, como é de se esperar no exercício do amplo direito de acesso ao Poder Judiciário.

[1] ADI 5422, Min. Barroso em seu voto-vista citando o civilista Rodrigo da Cunha

André Brawerman é doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Ernesto Lippmann é advogado em São Paulo, pós-graduado pela Universidade de São Paulo e especializado em Direto médico e responsabilidade civil. Além disso é membro da comissão de bioética da OAB-SP, foi assessor jurídico do CREMESP, e autor do livro “Testamento vital, o direito à dignidade”.

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