Os perigos do aumento da concentração de mercado no porto de Santos

O leilão do novo terminal de contêineres pode reforçar a presença de grupos verticalizados ou trazer um novo player

Empresas que atuam em navegação e que já administram terminais no Porto de Santos (SP) deveriam poder participar do leilão de um novo terminal? Como garantir um ambiente de livre concorrência e competitividade no principal terminal portuário brasileiro caso uma dessas empresas vença o certame e amplie sua fatia do mercado?

Essas duas perguntas resumem a principal disputa em torno da modelagem do edital do Tecon Santos 10, o antigo STS-10, que deve dar lugar a um novo terminal de cargas. Há dez anos se fala do leilão dessa área e a ideia é que, enfim, ele ocorra até o final deste ano. Há, contudo, queixas e preocupações sobre o impacto desse terminal no ambiente de competitividade do porto e do transporte marítimo.

A promessa do governo federal é que esse seja o maior terminal multipropósito do país. Na proposta, a movimentação de contêineres deve corresponder a 99,8%da movimentação do complexo.

Quando atingir a sua operação plena, o Tecon Santos 10 deverá incrementar 3,5 milhões de TEUs (medida de contêiner) à capacidade de movimentação do porto de Santos, segundo as estimativas do governo. Para se ter ideia da dimensão do projeto, de acordo com o Mensário Estatístico da autoridade portuária, o porto movimentou 5,5 milhões de TEUs em 2024.

Verticalização e concentração de mercado

A maior discussão da modelagem do leilão está em torno dos armadores — grupos que operam navios de contêineres entre os portos de origem e de destino das cargas. Os maiores deles são também controladores de terminais portuários, fenômeno da verticalização típica desse mercado. Esse tipo de estrutura é quando um grupo controla tanto os navios de transporte quanto os terminais que recebem as cargas. Já os terminais não verticalizados são chamados de bandeira branca, ou seja, sem armadores como sócios.

Uma preocupação é de que o aumento da participação de grupos verticalizados resulte em práticas anticompetitivas como a do self-preferencing. Isso pode acontecer quando o armador tem a preferência de atracar seu navio no próprio terminal, seja qual for o preço praticado pelos demais. Como resultado, os terminais bandeira branca podem ficar sem um volume mínimo de carga para manejo, inviabilizando o negócio. Ou então, navios do grupo verticalizado recebam do terminal melhores condições do que as oferecidas a outros armadores.

Outra questão é que, com menos competição, poderia cair a pressão para melhorias em serviços, preços e inovações – o que, em última análise, afetaria toda a economia dependente de fretes, importações e exportações. Com o processo de verticalização e o predomínio entre poucas empresas, a entrada de novos concorrentes também poderia ser dificultada, pois eles encontrariam uma estrutura de mercado em que os players instalados possuem vantagens.

No Brasil, 43 terminais portuários são dedicados ao transporte de contêineres. Desses, 12 atuam de forma verticalizada e movimentam, no total, mais de 70% da carga em 2024, de acordo com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

Em Santos, o cenário dos terminais mudou significativamente nos últimos anos. O maior deles atualmente em funcionamento é o Tecon Santos, operado pela Santos Brasil – responsável por 42% da movimentação total do porto, ou 2,3 milhões de TEUs em 2024.

Em março, a Santos Brasil anunciou que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou sem restrições a aquisição de participações societárias da empresa pelo armador CMA-CGM, o quarto maior do Brasil, que passou a ser seu controlador. Ou seja, o Tecon Santos deixou de ser bandeira branca e tornou-se um terminal verticalizado.

Antes disso, já havia outro terminal nesse modelo, o BTP, controlado pelos grupos Maersk e MSC — respectivamente líder e vice-líder de movimentação de contêineres no Brasil. O BTP movimentou 34% dos contêineres em Santos em 2024, ou 1,8 milhões de TEUs.

Isso significa que 76% da movimentação atual do porto de Santos já ocorre por meio de terminais verticalizados.

Para os receosos com os riscos da verticalização, o leilão do Tecon Santos 10 é uma oportunidade para corrigir os rumos do maior porto do país, responsável historicamente por, no mínimo, 25% do comércio exterior brasileiro. Caso o novo terminal seja conquistado, no leilão, por uma das duas empresas verticalizadas já instaladas, isso solidificaria a posição de “duopólio” no porto de Santos.

Ainda há outros dois terminais em operação em Santos: o DPW, controlado pela multinacional DP World, tendo movimentado 1,2 milhão de TEUs em 2024 como um terminal bandeira branca; e o Ecoporto Santos, mantido pelo Grupo Ecovias, com uma pequena participação se comparado aos demais — 50 mil TEUs no ano passado, atendendo operações especializadas e cabotagem.

Mais eficiência e mais poder

A maior parte dos especialistas ouvidos pelo Estúdio JOTA na apuração desta reportagem veem tanto vantagens como desvantagens na verticalização e na participação desses agentes na disputa pelo novo terminal. Como alguns têm relação com entidades interessadas no formato do edital, preferem não se manifestar formalmente.

“A verticalização reduz custos. O armador, nesse caso, não tem que negociar contratos, já tem seu terminal. Por outro lado, também pode passar a impor o preço dele aos demais, tem mais poder. Isso vale para todas as verticalizações. Aumenta a eficiência mas aumenta o poder da empresa sobre o mercado”, resumiu um dos consultados.

Outro grupo de especialistas consultados defende que o edital deveria restringir a participação de empresas que já detenham mais de 25% ou 30% do mercado — o que excluiria do certame as já instaladas Santos Brasil (CMA-CGM) e BTP (Maersk e MSC).

Para esses estudiosos, a presença de um novo terminal bandeira branca reduziria o poder de mercado dos terminais verticalizados. “Geraria uma pressão competitiva. O resultado é um menor custo para os clientes de movimentação de cargas e, por consequência, para toda a cadeia produtiva do comércio”, definiu um deles.

Contudo, uma ponderação é que não é a verticalização, por si só, a causa de restrições à concorrência. Angelino Caputo, diretor-executivo da Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados (ABTRA), afirma que a preocupação com a concorrência no leilão do Tecon 10 se dá pelo risco de self-preferencing, o que colocaria em prejuízo as condições comerciais de outros terminais e também armadores independentes. “Nossa associação é a favor da verticalização, mas deve ser observado se isso causa danos à concorrência”, explica.

Para mitigar esses riscos, Caputo defende a ideia de adoção de um mecanismo chamado capacity share. Basicamente, a capacidade de cada terminal é medida e os resultados são somados. Com isso, é possível determinar a porcentagem de carga que cada terminal movimenta — e essa fatia deve ser mantida. “Isso poderia funcionar para os primeiros anos de contrato, por exemplo”, defende, como uma maneira de garantir que práticas anticoncorrenciais sejam adotadas ou que os bandeira branca sejam comprimidos.

De acordo com o estudo “Aspectos competitivos essenciais ao leilão do Tecon Santos 10″, elaborado pela LCA Consultoria Econômica e encomendado pela ICTSI, é fundamental que as regras da licitação considerem os riscos concorrenciais, principalmente o poder de mercado dos participantes e a influência de concorrentes verticalmente integrados.

Por isso, os autores recomendam vedar a participação de terminais incumbentes de movimentação de contêineres no Porto de Santos na primeira fase da licitação. “A presença deles aumentaria a concentração de mercado e ampliaria o risco de verticalização, dado que dois dos três terminais remanescentes no porto já são verticalizados. A participação desses incumbentes só deve ser permitida caso novos entrantes não atendam aos critérios estabelecidos no edital”, concluem.

Integração Logística

Para Leonardo Coelho Ribeiro, professor e co-autor do livro Regulação e Concorrência nos Portos (Editora Fórum), o fenômeno da verticalização também pode ser visto como integração logística. Ele discorda da leitura de que a verticalização poderia ser prejudicial, por isso critica a ideia de restrição na concorrência pelo Tecon Santos 10.

“Ao limitar a concorrência, se limita também potenciais descontos e o valor da outorga. Na prática, pode ser afastar quem tem mais interesse em administrar aquele ativo e que possui melhores condições de fazê-lo, o que é fundamental para o país”, argumenta.

A proposta de edital que esteve em discussão na consulta pública não prevê restrições à concorrência no momento do leilão — o que, na visão de Ribeiro, é positivo. “As restrições desejáveis já existem. São aquelas ligadas à regulação, acesso à informação, ao nível de qualidade do serviço que se espera ter, ao preço máximo que você pode cobrar. E, sem prejuízo de nada disso, que se apure se está havendo algum tipo de conduta que demonstre que há um ilícito concorrencial”, finaliza.

Agora, para os críticos, faria mais sentido criar balizas e limitações durante o certamente para prevenir futuros problemas concorrenciais, que poderiam ser mais duradouros e prejudiciais.

Edital no segundo semestre

Atualmente, a Antaq está consolidando as contribuições que recebeu na Audiência Pública 2/2025, sobre o leilão do Tecon Santos 10. O período para contribuições encerrou-se em 24 de março.

Espera-se que a diretoria da autarquia aprecie a proposta de edital até o final deste mês. Em seguida, ele vai à secretaria Nacional de Portos e então será encaminhado ao Tribunal de Contas da União (TCU). A expectativa é que o julgamento na corte se dê até meados de agosto e o edital definitivo saia em setembro, com leilão em dezembro e assinatura do contrato em 2026.

Fonte: Jota

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