Por Luiz Ramos
Para passar 2017, o Sistema S, criado na década de 40, teve um caixa de R$ 16,4 bilhões. Apenas a título de comparação, isso é 13% do déficit fiscal do Brasil no ano passado. Orçamento nem um pouco desprezível para fazer funcionar as unidades do Sesc, Sebrae, Senac, Sesi, Senai, Senar, Sest, Sescoop e Senat. Entidades obesas e obscuras.
Essa dinheirama sai do bolso das empresas que, mensalmente, recolhem entre 0,2% e 2,5% da folha de pagamento à Receita Federal. Esta, por sua vez, transfere esses recursos ao Sistema S. Como essas entidades são obrigadas a repassar parte desse belo orçamento às confederações e federações, estas – que são, grosso modo, representantes dos empresários – deveriam chiar, mas não chiam. Os motivos são óbvios. A Fecomercio de São Paulo, por exemplo, recebeu R$ 100 milhões de repasse, o equivalente a 60% do seu orçamento.
Esse mecanismo – sem nenhuma alusão ou trocadilho à série homônima da Netflix – funciona perfeitamente bem há décadas. Por isso, não é raro vermos a eternização de presidentes nas confederações e federações, assim como no comando da maioria das entidades do Sistema S. Afinal, quer coisa melhor que comandar instituições com a nobre missão de promover e fomentar a educação, a cultura ou o lazer, com orçamentos robustos e sempre garantidos?
Preocupa-me muito o fato de que um bom montante das verbas direcionadas ao Sistema S é utilizado na perpetuação de uma oligarquia de “republiquinha”. Isto representa um retrocesso, pois marginaliza as verdadeiras entidades representativas para empresários, empregados e demais membros da nossa sociedade. Se adentrar no paradoxo dos altos salários, honorários, verbas de representações, benesses, despesas reembolsadas, o cenário fica ainda mais sombrio.
Creio ser consenso que nós, empresários e, até mesmo, presidentes de sindicatos e associações – cargos que, com muita honra, ocupo no momento –, não negamos a importância do Sistema S. O que eu questiono é a gestão desse montante. É como essas entidades se posicionam e agem, de fato (e não com belas palavras), diante da sociedade. Não se esqueça: estamos falando de um orçamento anual na casa dos R$ 16,4 bilhões.
Conheço a estrutura administrativa de algumas dessas entidades. São opulentas, com excessivos níveis hierárquicos e discussões operacionais pouco pragmáticas ou assertivas, que servem mais para preencher jornadas ociosas do que para buscar soluções ou inovações. Enfim, esses erros estratégicos, fatais para toda e qualquer empresa privada, no Sistema S são, simplesmente, ignorados. Afinal, os recursos são garantidos e não existe qualquer tipo de penalização aos comandantes.
Não poderia deixar de comentar que o Sistema S foi criado para suprir as lacunas que o poder público deixava. Ele nasceu para servir à sociedade. Porém, o que vemos quando analisamos algumas dessas entidades é que elas oferecem o mínimo de gratuidade – praticamente, o que é exigido por lei – e comercializam seus produtos e serviços a valores nem de longe subsidiados, apesar dos benefícios fiscais que usufruem. Assim, conseguem gerar mais caixa.
Em julho passado, a Federação Nacional das Escolas Particulares acionou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra as instituições do Sistema S. Ela entendia que a forma como as mesmas atuam no mercado educacional privado não condiz com as regras previstas no ordenamento jurídico brasileiro, no que tange a proteção da livre concorrência e da livre iniciativa, assim como a legislação que rege a atuação delas.
Recentemente, li um artigo no qual o presidente de uma renomada federação defendia a tese segundo de que, sem o Sistema S, a cultura, o ensino profissionalizante e o lazer disponíveis à população praticamente não existiriam no Brasil. Com sinceridade, apesar de reconhecer a importância dessas instituições, divirjo desse posicionamento. Há algum tempo, escrevi outro artigo, no qual classificava o Sistema S como uma verdadeira caixa preta, um sistema anacrônico e improdutivo, destinado a beneficiar alguns poucos, em detrimento a quase todos. Infelizmente, não houve fato novo que me fizesse mudar de opinião.
E essa discussão tem ganhado corpo nos últimos tempos. Em abril deste ano, a Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CFTC) realizou audiência pública para discutir a transparência no uso dos recursos e demais assuntos relacionados ao Sistema S. O presidente da Comissão e autor do requerimento, senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) explicou, à época, que o objetivo seria “jogar luz sobre a aplicação de recursos públicos utilizados pelo sistema”, que tem origem na arrecadação de contribuições sociais. A discussão caminhou, mas ainda não obteve resultado prático algum, coisa normal neste País.
Costumamos dizer que os campos político, econômico e social do Brasil começam, finalmente, a ser discutidos com mais horizontalidade e verticalidade. Sabemos que os debates estão longe de atingir o ponto ideal – aquele no qual as ideias são consistentes e formuladas por pessoas éticas e qualificadas. Os resultados, por sua vez, não aconteceram porque seriam consequência dessas proposituras. Resumindo, caminhamos nesse sentido, mas pouco ainda.
O que me incomoda é saber que mais dia, menos dia, todos nós, empresários e dirigentes sindicais, seremos cobrados pela sociedade sobre nossa posição diante desse descalabro que se tornou o Sistema S e da eternização de muitos dos presidentes de confederações e federações. Quando esse momento chegar, seremos cobrados por nossos subordinados, pares, familiares e amigos. Com toda razão, eles se questionarão se fomos coniventes, omissos, covardes ou míopes diante desta situação.
Há, porém, outra alternativa para nós. A mais certa e honrada, em meu ponto de vista. Acredito que devemos nos movimentar, discutir e mobilizar contra esse triste cenário. Prefiro a ousadia e a coragem em vez da inércia, do apequenamento e da subserviência. Você, certamente, fará sua escolha. Se concordar comigo, estaremos juntos nessa luta. Se discordar, eu, como sempre, respeitarei sua decisão.
Luiz Ramos é presidente do SINDICOMIS (Sindicato dos Comissáriosde Despachos, Agentes de Carga e Logística do Estado de São Paulo) e da ACTC (Associação Nacional dos Comissários de Despachos ,Agentes de Cargas e Logística); empresário; despachante aduaneiro; técnico e mestre em soluções de comércio exterior; trade; especialista em legislação aduaneira e tributária, assuntos governamentais e institucionais e aduaneiros; conselheiro da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio),diretor do Cecomércio-Fecomércio/SP; coordenador geral do Comitê Técnico Fiscal de Comércio Exterior do Sindicomis/ACTC e diretor geral do Grupo Baska.